quarta-feira, 9 de julho de 2025

A casa de barcos, Jon Fosse

A casa de barcos, Jon Fosse


Por que o enredo do livro é fluido, quase nada se pode dizer sobre a história, sem antecipar o prazer da descoberta por parte de algum bissexto leitor deste blog. Então, vou fugir um pouco ao meu estilo, para falando algo do autor. Jon Fosse, norueguês nascido em 1960, tem uma vasta obra em vários gêneros, inclusive no teatro (e ressalto esse aspecto, porque ele será importante no meu comentário). Foi ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 2023. Dito isso, vamos ao livro. Publicado em 1989, esse conto estendido tem claramente uma estrutura de monólogo teatral levado ao extremo da reiteração: o narrador-personagem repete à exaustão a mesma situação e os mesmos estados mentais de solidão e angústia que o consomem. E mais: é claramente um conto (classifico como conto, embora longo, porque se constitui de um único núcleo dramático), repito: um conto melodramático. Parêntese para explicar o que entendo por melodrama. No drama (especialmente no teatro e no cinema), o fluxo emotivo parte do enredo, da história, do palco ou da tela, para o leitor, que se emociona (ou não). O drama não engana: apresenta-se tal como é. Já no melodrama, esse fluxo se inverte: o autor da peça teatral ou do enredo do filme engana o espectador (ou leitor), dando-lhe pistas falsas, ocultando fatos e só revelando aqueles que lhe interessam, de tal modo que cabe ao leitor ou ao espectador complementar com sua emoção o que lhe é sugerido. (Dizia meu mestre Chico de Assis que Hitchcock era o rei do melodrama). Assim age o autor de “A casa de barcos”: através do monólogo interior da personagem (não confiável), nós, leitores, complementamos a história de sua solidão e angústia ocorridas a partir do seu reencontro com um amigo de infância Knut e sua esposa e filhas, dez anos depois. Isolado, sem sair de casa, mergulha num fluxo de memórias certas e incertas, num novelo que só se desata parcialmente nas linhas finais, deixando, porém, ao leitor a incumbência de imaginar as motivações e todos os sentimentos e atitudes das personagens evocadas. Enfim, um livro claustrofóbico e complexo, mas apaixonante.

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