Era no tempo do rei, Ruy Castro
Rio de Janeiro, l810. Dois garotos de 12 anos, vindos de mundos completamente opostos, tornam-se amigos e vivem várias estripulias pela cidade, dois anos após a chegada da corte portuguesa ao Brasil, fugida das tropas de Napoleão. Não são, no entanto, garotos comuns. O primeiro, Leonardo, brasileiro, saiu das páginas do romance de Manuel de Almeida, “Memórias de um Sargento de Milícias”, tendo sua adolescência resgatada pelo autor. Já o segundo, Pedro de Alcântara, português, saiu das intrigas palacianas para as ruas, por seu jeito traquina de viver, antes de se tornar o herdeiro do trono como Pedro I, imperador do Brasil. O encontro, portanto, desses dois moleques é pura ficção, e das mais absurdamente deliciosas ficções saídas da pena de Ruy Castro. E a aventura picaresca dos dois é algo inesquecível para qualquer leitor que aprecie esse tipo de romance histórico, em que ficção e realidade se misturam. Não vou antecipar aqui qualquer fato da principal aventura das duas personagens, porque ela é tão quixotesca quanto muito bem tramada, com toques surreais de humor e imaginação. Tudo pontuado por inúmeras intrigas – essas, históricas, ou ocorridas com personagens reais – tanto palacianas quanto muitas outras figuras que viveram e se tornaram mitológicas, no “tempo do rei”, na cidade do Rio de Janeiro. E é esta cidade a terceira protagonista da história. Invadida por uma enorme quantidade de cortesãos e cortesãs, além de atrair comerciantes e golpistas de todos os lugares, a cidade suja, miserável e violenta, tem que começar a se adaptar aos novos tempos, tem que se reconstruir de acordo com a “moda da corte”. Esses primeiros anos da “invasão portuguesa”, em que a cidade maravilhosa ainda era praticamente uma vila à beira mar, com ruas estreitas e tortuosas, com mangues fétidos e morros inabitáveis, são cruciais para sua transformação em capital-sede de um reino. Por essas ruas, ainda pululam malandros de toda a estirpe, mas começam a surgir os primeiros sinais de um novo urbanismo. E é nessa cidade em efervescência, que Leonardo e Pedro, os dois amigos improváveis, vivem suas peripécias e nos encantam com suas estripulias, o que tona o livro uma leitura fácil e agradável, mesmo para quem não seja carioca, ou não esteja familiarizado com as intrigas políticas e de sucessão das cortes portuguesa e espanhola, envolvidas num jogo político de linhagens, apimentado pelas tropas napoleônicas.
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