Pequenas epifanias, Caio Fernando Abreu
A crônica é um texto jornalístico que tem por características principais a brevidade e o comentário de um acontecimento. Crônicas: leem-se, diverte-se com elas e esquece-se. Como aqueles calendários antigos dos quais tirávamos uma folha por dia e, por isso, denominavam-se “folhinhas”. Só que não é bem assim: aclimatada ao “jeito” brasileiro, aqui ganhou foros de boa literatura, desde Machado de Assis, passando por Drummond, até chegar a Rubem Braga, só para citar nossos mais destacados cronistas. Escreveram-se crônicas de todos os tipos: líricas, sérias, engraçadas, políticas, sociais etc. Muitas, muitíssimas tornaram-se obras primas e são lembradas e cultuadas, assim como seus autores. Pela técnica, pela verve, pela perspicácia ou pelo estilo. Pequenos monumentos literários. E chegamos a “Pequenas epifanias”, as crônicas de Caio Fernando Abreu. Escritas e publicadas nos jornais dos anos 90, viraram esse livro que comento agora. Seu estilo é ímpar, e seus temas, embora variados, são intimistas, o que é praticamente uma novidade no gênero. Divertimo-nos com suas observações sobre viagens e sobre cidades, São Paulo e Porto Alegre, às vezes o Rio de Janeiro; emocionam-nos suas homenagens a amigos e amigas que se foram; encantam-nos suas pequenas descobertas da vida etc. etc. Ao longo das páginas, em ordem cronológica, as crônicas – que são o tempo breve eternizado num pequeno texto - vão ficando tristes: o poeta e cronista arguto vai deixando rastros de sua condição de doente terminal, mas não há queixas, apenas a constatação, a cada palavra, a cada frase, a cada página, de que ele está se despedindo, sem mágoa, sem reclamar, apenas aqui e ali a referência a hospitais, a internações, a invernos e a jardins que se estiolam com o inverno, que o poeta ganhou em seus últimos tempos mais essa epifania, o gostar de jardins, de dizer que gostaria de ser jardineiro. E vai nos tomando uma tristeza... não, não é exatamente uma tristeza, mas um desgosto por uma vida que se esvai tão inutilmente, como tantas se foram, por causa de um vírus maldito, e pensamos que muitos que se foram nessa verdadeira epidemia ou pandemia, sei lá, que apagou tantas vidas iluminadas, podiam ter permanecido acesas um pouquinho mais, que logo algumas drogas estavam aí, para lhes dar sobrevivência. E Caio F. se foi, num 25 de fevereiro de 1996, em sua Porto Alegre, antes de completar 50 anos de vida, um cara que nos revelou as epifanias dessas crônicas fantásticas que, escritas naqueles anos 90, têm ainda o frescor e a beleza das rosas e begônias que se renovam a cada ano em todos os jardins, as rosas, begônias e tantas outras flores que ele amava e cuidava, como cuidou de sua literatura.
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