quinta-feira, 28 de abril de 2022

Adeus, Gana, Taiye Selasi

 Adeus, Gana, Taiye Selasi


A autora nasceu na Inglaterra, estudou nos Estados Unidos e é descendente de pais nigerianos e ganenses. A história que ela conta neste livro passa, portanto, por esses três países. Kweku Sai, renomado cirurgião formado nos Estados Unidos e pai de quatro filhos – os gêmeos Taiwo e Kehinde, Olu e Sadie – morre em Acra, capital de Gana, para onde se exilou, depois de uma denúncia absurda de erro médico. A família, abandonada por ele anos atrás, se reúne para as exéquias. É o pretexto para a autora compor um mosaico dessa família meio disfuncional, mas autêntica, suas vidas e seus dramas particulares, numa prosa ao mesmo tempo envolvente e lírica, costurando com maestria a narrativa entre diferentes tempos e lugares, mudando o foco narrativo e não deixando de nos abrir todas as vicissitudes e todas as feridas escondidas em cada uma das personagens. Não é um romance para se ler distraidamente; sua prosa nos suga para um redemoinho de sentimentos, de fatos, de descrições que tornam a leitura um delicioso desafio que não permite nenhum respiro: temos que acompanhar com atenção e um misto de prazer e espanto cada detalhe, cada desejo reprimido, cada pensamento das personagens até o desfecho final. Lembra, um pouco, a prosa de nossa querida Clarice Lispector: metafórica, cheia de claros e escuros, em novelos dramáticos que vão pouco a pouco nos levando para o vórtice, para o entendimento de pequenas atitudes e suas motivações. Sem dúvida, um grande romance, dentro das características do que podemos chamar romance moderno.


segunda-feira, 25 de abril de 2022

A educação sentimental: história de um jovem, Gustave Flaubert

 A educação sentimental: história de um jovem, Gustave Flaubert


Em 1830, os franceses expulsaram a dinastia Bourbon do poder e Luís Filipe de Orléans assumiu o poder, ampliou a participação do Legislativo, proibiu a censura aos meios de comunicação e separou Igreja e Estado. Essas medidas, no entanto, não impediram uma grande oposição a seu governo, com republicanos, socialistas e bonapartistas se aproveitando do fim da censura para realizarem banquetes públicos, para discutiram a ampliação das reformas. O ministro Guizot decretou a ilegalidade dessas manifestações e o governo resolveu endurecer, o que gerou o estopim para o movimento popular de 1948, que culminou com a demissão do rei para a Inglaterra. A França se transforma em uma república, instalam-se o sufrágio universal e a pena de morte. Mas há uma forte reação dos conservadores, no que resultou a formação de uma Assembleia Constituinte de natureza moderada. Esse o cenário da história de amor do provinciano Frédéric, detalhada longamente por Flaubert. Apaixonado perdidamente por uma mulher casada, a quem nunca logrou possuir, navega pela alta burguesia parisiense, tentando obter os luxos e as riquezas ostentadas por essa sociedade, só conseguindo, no entanto, algum poder aquisitivo através de uma herança inesperada, o que o leva a desperdiçar sua vida entre alguns amores fracassados e sua irremediável paixão por essa mulher. As muitas e interessantes personagens que cruzam a trajetória do jovem e o cadinho revolucionário que ferve em torno dele levam o autor a traçar um painel de grande sensibilidade humana e de detalhismo histórico que justificam a colocação do romance de Flaubert entre os grandes clássicos da literatura do século XIX, até hoje passível de ser lido com imenso prazer.


sexta-feira, 22 de abril de 2022

Mulherzinhas, Louisa May Alcott

 Mulherzinhas, Louisa May Alcott



No primeiro volume da “Série Napolitana” – A Amiga Genial –, Elena Ferrante nos conta o seguinte episódio: Lila e Elena jogam no porão, num vão da calçada, as bonecas uma da outra. É a casa do temível Don Achille. Num surto de coragem, resolvem resgatar as bonecas e, como não as encontram no porão, sobem as escadas do sobrado, tocam a campainha da casa do “monstro” e o encaram, pedindo que lhes devolva as bonecas. Don Achille murmura algo como “deve ter sido meu filho caçula que pegou suas bonecas”, mas resolve lhes dar algum dinheiro para que comprem outras. No entanto, já na rua, decidem comprar um novo exemplar do livro “Mulherzinhas”, que o antigo já está todo desgastado pela leitura constante. Esse foi gatilho para que eu resolvesse ler o tal romance, publicado em 1868 e até há bem pouco tempo leitura quase obrigatória das moças adolescentes, conforme o relato da escritora italiana. A história se passa numa vila do interior dos Estados Unidos e começa no natal de 1960 e termina no natal de 1961. O pai das “mulherzinhas” – as quatro irmãs de 17, 16,13 e 10 anos – foi para a guerra e a família, durante esse ano, passa por várias dificuldades e aventuras, contadas detalhadamente ao longo da longa narrativa. Não vou resumir o enredo ou me referir a essas dificuldade ou aventuras, porque, além de serem muitas, há nelas um único objetivo: reforçar a ideia de que as jovens devem ser preparadas para um futuro casamento. E mais: que só o trabalho e a esperança forjam temperamentos (principalmente os femininos) para a vida adulta, num lar constituído com amor e dedicação total ao marido. São, portanto, o suprassumo da defesa dos valores conservadores da família e do cristianismo. A lição fundamental de toda a saga das “mulherzinhas”: devemos todos ser bons. Valores conservadores que estão na contramão de tudo por que passam as protagonistas da “Série Napolitana”, o que torna a leitura desse livro um interessante contraponto às concepções modernas do feminismo nascente nos anos 70 e 80 que povoam as páginas da escritora italiana no final do século passado. E para não dizer que não me toquei com a tradução de “Little women” para “mulherzinhas” no título em português, concluo com a observação de que o erro de português desse título não justifica o sucesso de um livro tão obsoleto, nos dias atuais, mas, cuja leitura pode servir de testemunha de uma época quando as mulheres ainda não tinham voz, embora ainda estejamos muito distantes do ideal da igualdade e do respeito que todas, absolutamente todas as mulheres, merecem. Inclusive na tradução correta do título de um livro de ideias tão conservadoras.



terça-feira, 19 de abril de 2022

História da menina perdida, Elena Ferrante

 História da menina perdida, Elena Ferrante



“Toda relação intensa entre seres humanos é cheia de armadilhas e, caso se queira que dure, é preciso aprender a desviar-se delas”. Essa frase talvez resuma a Série Napolitana, de Elena Ferrante. Está no último volume do quarteto, “A história da menina perdida”, que aborda a fase adulta das personagens centrais – Lina e Elena. Os fatos se sucedem numa catadupa de tirar o fôlego. A relação de Elena com o seu amor de infância azeda de vez, deixando-a com mais uma filha. Volta para Nápoles e ali se passam quase todos os acontecimentos de sua vida turbulenta. A cidade aparece, agora, com toda a sua complexa rede de histórias de violência e de disputas políticas e de domínio, com muitos assassinatos e drogas. Localizada à sombra do Vesúvio que há muito tempo se mantém inativo, é, no entanto, abalada por forte cismo que, mais do que destruir a cidade, parece levar à destruição interior das personagens do livro. Lila obtém grande sucesso financeiro, graças à sua empresa de informática, quando os computadores ainda estão começando a se popularizar, até que sua filha, a que ela teve com Guido (o mesmo amor de infância de Elena) desparece. E então sua vida vira um rol de desconforto e infelicidades. Enquanto isso, Elena obtém grande sucesso com seus livros, torna-se uma escritora requisitada pela mídia e viaja muito. A trajetória de ambas – Lila e Elena – se entrelaça de forma quase oposta, mas sempre numa relação tensa de subalternidade de Elena em relação a Lina, a amiga genial que não cumpre, no entanto, as promessas de seu talento, enquanto ela, Elena, mantém uma vida de estudos e publicações. As armadilhas entre ambas são duramente ultrapassadas, nem sempre de forma tranquila para uma ou para outra, mas levam-nas a permanecerem em contato, ainda que distantes, quando Elena, depois de ficar praticamente sozinha, resolve ir embora da cidade em que nasceu e viveu por tantos anos, e que ela pensa conhecer profundamente. Impossível não relacionar os quatro volumes da “Série Napolitana” com outro grande sucesso editorial publicado entre 1957 e 1960: “O quarteto de Alexandria”, de Lawrence Durrel. Em ambas as obras – longas e confessionais – as duas cidades ganham vida, como personagens míticas (mais em Durrel do que em Ferrante) de grande força narrativa, já que ambas têm históricos milenares, além de várias outras “coincidências” que o leitor atento das duas obras poderá identificar. Se Durrel organiza sua obra numa estrutura que lembra uma espécie de círculos concêntricos em que os três primeiros volumes praticamente contam a mesma história sob pontos de vista diferentes, Ferrante leva sua história quase linearmente, mas sem deixar o leitor respirar, com os acontecimentos se sucedendo como num rio caudaloso, num estilo contundente e envolvente.

sábado, 16 de abril de 2022

História de quem foge e de quem fica, Elena Ferrante

 História de quem foge e de quem fica, Elena Ferrante



O terceiro volume da “Série Napolitana” privilegia a fase adulta das protagonistas nos conturbados anos 60, uma década de revoltas, de lutas de classes, de protestos e assassinatos. Aliás, é com um assassinato que se inicia esta terceira narrativa da saga de Elena, a narradora, e Lila, a amiga especial. Lila vai ao fundo do poço, quase morre, mas consegue dar a volta por cima com a ajuda de Elena e de Enzo, um antigo apaixonado por ela. Também à custa de jogar para o alto seus princípios e aceitar a ajuda do “inimigo”: Enzo e ela estudam a incipiente informática, através de apostilas não muito confiáveis, mas a inteligência de ambos e a perseverança, com um empurrãozinho da amigo, fazem com que obtenham um bom emprego e superem todas as dificuldades. Já a amiga Elena finalmente se casa com um promissor acadêmico, oriundo de uma família influente, muda-se para Florença, publica seu primeiro livro e obtém com ele um rápido e fulgurante sucesso. Nascem suas duas filhas. Mas o envolvimento com um amor do passado, com o instável amigo de infância e ex-amante de Lila, Nino, vai levá-la a caminhos tortuosos de uma paixão adolescente renascida de forma inesperada e enlouquecedora. O que perpassa a longa narrativa, com inúmeras personagens e vidas que se cruzam, entrecruzam, num bailado virtuosístico de histórias e acontecimentos de tirar o fôlego do leitor talvez possa ser resumido na palavra subalternidade, aquilo que liga as duas protagonistas e faz que Elena sempre se subestime em relação à amiga, embora seus destinos sejam tão diferentes e suas trajetórias sejam opostas: enquanto uma sobe, a outra cai e vice-versa. A relação entre elas é marcada por um misto de amor e ciúmes, de amor e inveja, mas sobrevive. A outra presença, fantasmagórica, é de Nino, na vida de ambas, com sua inteligência, seu charme, seu poder de sedução. É o “quase-pai” do filho de Lila e, quando se materializa na vida de Elena, chega para arrasar tudo e a todos. Enquanto Lila permanece vivendo em Nápoles, Elena se muda para Florença, depois de estudar em Pisa, mas a cidade natal de ambas mantém a escritora presa aos mesmos paradigmas arraigados de quando vivia na periferia e na pobreza, apesar de haver ascendido em termos de classe social. Também o lado político e social da década tece um interessante pano de fundo da primeira fase da conscientização das mulheres em relação ao mundo masculino. Ainda não se fala de feminismo, mas já está latente um movimento feminino de emancipação, no qual se engaja, embora timidamente, a narradora. Enfim, sem nenhuma dúvida, essa fase da longa narrativa das duas amigas e suas encrencas pela vida prende o leitor numa malha de acontecimentos de tirar o fôlego.


quarta-feira, 13 de abril de 2022

História do novo sobrenome, Elena Ferrante



História do novo sobrenome, Elena Ferrante

Neste segundo livro da “Série Napolitana”, a autora/narradora, agora no início da fase adulta, conta as aventuras e desventuras das duas protagonistas, Lila e Elena, em suas trajetórias ao mesmo tempo enlaçadas pela amizade e tão diversas nos caminhos escolhidos. Lila, depois do casamento e da cena lamentável da lua de mel, parece aos poucos entregar-se ao marido e aos negócios do marido, que são muitos, envolvendo interesses vários nas charcutarias e nas lojas de calçados. Elena, por sua vez, dedica-se cada vez mais aos estudos, apesar de todas as dificuldades. O que as une: Elena reencontra Nino, sua paixão de infância, mas quem acaba conquistando o rapaz é Lila, quando seu casamento, que parecia decolar, não é aquilo que aparenta. Com ele tem um filho. Separa-se do marido e vai viver com o filho em um bairro distante, com outro amigo das duas, que é por ela apaixonado, com o qual não tem, porém, vida marital. Está pobre e trabalhando numa fábrica de embutidos. Já a trajetória de Elena, em termos profissionais, vai de vento em popa, apesar de todos os contratempos: consegue uma bolsa para estudar em Pisa, para onde se muda, tem vários namorados, depois de se entregar ao pai de Nino, numa das viagens de veraneio, numa praia. Inicia uma carreira de escritora e só vai reencontrar a amiga e o filho de Nino quando a situação da amiga já está bastante deteriorada, numa tarde na fábrica de embutidos. O que perpassa a obra, nesse segundo volume, são, portanto, as lutas e frustrações das duas jovens, principalmente a autodepreciação constante de Elena, seu complexo em relação à capacidade e à inteligência da amiga que, no entanto, está-se perdendo pelos caminhos da indigência. Desvenda-nos a autora um mundo complexo, rico de possibilidades e, ao mesmo tempo, um mundo de dificuldades, de tensões, de lutas sociais, políticas e, principalmente, de luta pela sobrevivência através do esforço pessoal, num mundo, enfim, em que não bastam a inteligência e a genialidade, mas é preciso ter berço, ter uma base familiar tradicional, coisa que as duas garotas não têm, embora uma delas esteja conseguindo furar a bolha.


domingo, 10 de abril de 2022

A amiga genial, Elena Ferrante

 A amiga genial, Elena Ferrante


Viver para contar. Escrever para viver. Desde que a literatura moderna seguiu pelas trilhas abertas por Proust, as biografias ou autobiografias relatadas no compasso da ficção (ou mesmo da não ficção) constituem rios caudalosos por onde, em geral, o leitor navega com prazer, principalmente quando bem escritas e bem articuladas. E a busca do tempo perdido é daqueles temas sempre caiados de novo e, se bem caiados, sempre muito bem-vindos. E Elena Ferrante, a misteriosa escritora italiana, não nega fogo em sua proposta de uma vasta exumação do passado em Nápoles, de cujo primeiro volume dos quatro escritos, tratamos neste breve comentário. Elena Greco, a narradora, neste primeiro livro, escreve sobre sua infância num subúrbio violento de sua cidade na década de 50 e 60 do século passado, entendendo-se aí a violência que tem origens muitas vezes desconhecidas no ódio entre famílias, nas lutas de jovens mais pobres contra os mais ricos etc., não a violência a que nos acostumamos atualmente. Entrelaçam-se várias histórias, mas o eixo narrativo se concentra na amizade entre ela e sua amiga genial, Raffaella Cerulo, chamada de Lina por todos e de Lila pela autora. Há entre elas uma espécie de disputa pelas melhores notas, levando sempre a melhor a amiga que, ainda menina, desenha croquis de sapatos, inspirados na profissão do pai sapateiro e um desses modelos, longamente criado e montado às escondidas por ela e seu irmão mais velho, também sapateiro, vai-se imiscuir na história e mudar, talvez, o rumo de sua vida. Seu talento e sua inteligência fazem prever para a menina um futuro brilhante nos estudos. Mas as dificuldades da vida levam Lila a trilhar um caminho diverso, abandonando a escola e os livros e casando-se aos dezesseis anos com um rapaz rico que promete tirá-la e à sua família da pobreza, enquanto Elena, mesmo lutando com as mesmas dificuldades, prossegue seus estudos. A narrativa é lenta, mas nos conduz aos meandros e às incertezas das duas garotas, suas relações com vizinhos e amigos, os conflitos familiares etc., de forma envolvente, graças à habilidade da autora. O primeiro “capítulo” dessas vidas se encerra justamente com a festa do casamento de Lila, um casamento que deixa no leitor a sensação de que tem tudo para dar errado. Veremos.




quinta-feira, 7 de abril de 2022

A hora da estrela, Clarice Lispector

 A hora da estrela, Clarice Lispector


Clarice Lispector voltou: exposições baseadas em suas obras, comentários nas redes sociais, traduções para outras línguas, novos leitores. Isso é ótimo. Que se revise a literatura dessa grande escritora, que se comentem suas crônicas e contos, que todos comemorem Clarice. Sua literatura nem sempre é fácil, mesmo nos livros menos complexos, como é o caso de “A hora da estrela”. A história da jovem nordestina Macabéa está, neste livro, contada por uma espécie de alter-ego da autora, o escritor Rodrigo S. M. que, à medida que narra, também escancara seu processo de criação. Comenta, no início, que não há muito o que dizer de sua protagonista, com sua vida sem nenhum atrativo. E realmente pouca coisa acontece ao longo de sua trajetória de rotina pontuada pelo tique-taque da antiga Rádio Relógio, que dava a hora certa a cada minuto, enquanto fornecia a seus ouvintes, nesse intervalo, “pérolas” de conhecimentos de almanaque, que é praticamente tudo de informação que alimenta o intelecto de Macabéa e sua vida vazia e sem perspectiva que, no entanto, se “engravida de futuro”, quando ela consulta uma cartomante e essa lhe diz que ela conhecerá um estrangeiro rico, com quem se casará. Mas a previsão se transforma em tragédia. E ao narrador só resta, ao fim e ao cabo, lamentar e chorar o amor que parece ter por sua “heroína”. Esse mesmo tema, de “vidas vazias” e aparentemente sem sentido, é também abordado de forma magistral por Autran Dourado, em “Uma vida em segredo”, num registro estilístico completamente diferente de Clarice, o que nos permite concluir com Machado de Assis que “só existem ideias velhas caiadas de novo”. Mas, quando a caiação é de boa qualidade, que nos empapucemos com as ideias velhas. Salve Clarice. Salve Autran.


segunda-feira, 4 de abril de 2022

O animal agonizante, Philip Roth



O animal agonizante, Philip Roth


Uma história de amor entre um velho professor e uma aluna (ou ex-aluna) bem mais nova: banal? Nenhuma história é banal na pena de Roth. Primeiro, vejamos o enredo. Sim, o professor tem 62 anos, dá todos os anos um curso de crítica literária para uma turma de mais ou menos 25 alunos, a maioria garotas. Seu lema: jamais sair com alunas, enquanto alunas. Mas, o curso termina e o professor oferece uma festa de encerramento em seu apartamento, a que comparecem quase todos os ex-alunos; a maioria, ex-alunas. E ele sempre pesca alguma para sua cama. Já são ex-alunas e não há mais nenhum risco de escândalo. Numa dessas turmas, encanta-se com a filha migrantes cubanos, Consuela, de 24 anos, corpo escultural e belos, belíssimos seios (e isso será muito importante, ao final do livro, mas não vou dizer por quê!). Segue o ritual de sempre e ele a leva para cama no final do curso, depois da famosa festa em seu apartamento. E entre eles surge uma paixão avassaladora, para usar um clichê. O professor tem uma longa ficha de conquistas e um filho de 42 anos, “abandonado” por ele, porque ambos não se suportam, por motivos de extremo moralismo do filho. Mas, fiquemos por aqui. Já é o suficiente para tecermos algumas considerações sobre o livro. A narrativa é rápida: não nos toma muito tempo. Mas, haja fôlego! O autor não perde tempo em nos apresentar todas as nuances do enredo. Com a competência de sempre. Afinal, estamos diante de um dos maiores escritores estadunidenses do século XX. Sua prosa é sempre agradável ou, melhor dizendo, agrada-nos por sua competência em nos enredar em suas histórias, mas... nunca é exatamente agradável. Está sempre abordando temas que nos incomodam. Desse livro, só adianto que se trata da aproximação de dois grandes arquétipos da humanidade: Eros e Tânatos. Amor e Morte. O erotismo de Roth vem sempre com palavras muito precisas, nunca foge ao real, àquilo que precisa ser dito. Quando fechamos o livro, ficamos com a dúvida, em relação a Tânatos: quem é o animal agonizante, afinal? A pergunta é retórica: sabemos, sim, quem é o animal agonizante.


sexta-feira, 1 de abril de 2022

Os amores difíceis, Italo Calvino

 Os amores difíceis, Italo Calvino



Nesse livro, Calvino abre seu fabulário, para falar de amores complicados, com a sutileza de sempre. Quando se lê uma fábula, espera-se que haja, ao final, um preceito moral. Não é o que acontece com as fábulas de Calvino: ele nos conduz, através de detalhes internos e externos para o mundo de seus personagens, e nos convida para o jogo, o lúdico jogo da ficção, a que interpretemos suas motivações, ou seja, chega-se a um ponto, depois de se degustar todos os meandros de enredos que parecem simples, que ele nos diz: agora é com você, leitor, as cartas estão na mesa, decifre-as você com sua imaginação. Assim acontece com a história do soldado tímido que tenta seduzir uma viúva durante uma viagem de trem; com uma respeitável senhora que vive o drama de perder no mar a parte de baixo de seu maiô,  quando a praia está cheia; com um leitor que oscila entre a realidade densa da ficção e a fantasia erótica da realidade; com um míope que enfrenta as ambiguidades do uso de óculos; com uma esposa que descobre o adultério e o mundo no botequim da esquina; com um bandido e o sargento que o procura quando resolvem passar a noite na cama da mesma prostituta. E há, ainda, as duas novelas, mais longas, em que um casal e seu filho pequeno alugam uma casa repleta de formigas, e a história do intelectual preocupado com a poluição da cidade, ao mesmo tempo que convive com as frustrações amorosas e do dia a dia na redação de uma revista. Enfim, se o leitor entra no jogo proposto, sentirá o prazer de ler um dos escritores mais sutis da Europa, com sua prosa elegante, irônica e precisa.