quinta-feira, 30 de junho de 2022

As horas nuas, Lygia Fagundes Telles

 


Publicado em 1989, esse romance tem uma estrutura de fina arquitetura literária: alternando narradores com diversos pontos de vista, inclusive a de um gato, numa narrativa que segue o fluxo de consciência ou de lembranças dessas personagens, até desembocar, nos capítulos finais, numa visão aparentemente mais objetiva de um narrador em terceira pessoa, cativa-nos não só pela complexidade de cada uma desses personagens, mas também pelos temas levantados, sempre atuais, como a situação política do país durante a ditadura, as drogas, a aids, o movimento feminista. O enredo que se desvenda ante nossos olhos traz uma atriz decadente, Rosa Ambrósio, que relembra os amores de sua vida, enquanto entorna litros de uísque: o primo Miguel, morto aos vinte anos, de overdose; Gregório, o marido intelectual torturado pela ditadura e que se torna amargo e desiludido até o suicídio; e Diogo, o secretário e amante que a abandona por garotas mais novas. Rosa consulta regularmente uma jovem psicanalista, que um dia desaparece misteriosamente, além de ser vista e analisada pelos olhos generosos de Rahul, o gato que ela um dia resgatou das ruas. Um mosaico de vidas e de mistérios, na prosa sempre envolvente de uma de nossas grandes escritoras.

segunda-feira, 27 de junho de 2022

Alvo Noturno, Ricardo Piglia

Alvo Noturno, Ricardo Piglia


Os romances policiais, em geral, seguem o modelo consagrado por Connan Doyle: um crime, geralmente misterioso, um detetive, pistas falsas e verdadeiras, investigação, solução. Muitos são os mestres que nos legaram obras primas nesse formato. No entanto, há espaço para inovações. É o que faz Ricardo Piglia nesse livro, “Alvo Noturno”: estão lá os ingredientes clássicos do bom suspense, claro, mas há outros, como, por exemplo, um belo estudo de sociologia da sociedade interiorana e conservadora da Província de Buenos Aires, como microcosmo desse tipo de cidade pelo mundo afora, ou seja, sociedades rurais onde há verdadeiros “coronéis” que decidem da vida e da morte dos cidadãos, num ambiente muitas vezes de corrupção e impunidade. O enredo, a história: numa cidadezinha do pampa argentino, a família Belladona tem dois filhos homens e duas gêmeas, Ada e Sofia. São elas que, em viagem aos Estados Unidos, travam relações com um porto-riquenho negro, chamado Tony Durán que, abandonando seu passado obscuro, viaja para essa cidadezinha perdida atrás das gêmeas. Logo fica conhecido por toda a sociedade local e é até mesmo recebido pelo manda-chuva local. Um dia, aparece esfaqueado em seu quarto, no hotel da cidade. Entram em cena o delegado Croce, cujos métodos de investigação não são nada ortodoxos, e um repórter da capital, Emilio Renzi. O principal suspeito do crime é preso: o melífluo empregado do hotel, de origem nipônica, amigo do morto. A partir daí, envolve-se na história o caso da fábrica de automóveis falida de Luca, meio irmão das gêmeas, um enorme empreendimento localizado nos arredores da cidade. Fechada a fábrica, Luca se tranca dentro dela, para desenvolver obscuros projetos e para tentar livrar a fábrica das garras de seus devedores, até que, no julgamento dos recursos impetrados por ele, para acertar com os credores, vê-se preso numa armadilha ética, ao perceber que sua salvação está ligada à condenação do acusado de matar Tony, cuja inocência já havia sido provada por Croce e desacreditada por seus inimigos. Toda a lógica da violência e toda a prepotência dos donos da situação pouco a pouco vêm à tona, num estudo magnífico do ser humano e suas misérias, do ser humano e suas utopias. A história policial serve de fundo a uma nova perspectiva sociológica e até filosófica sobre o poder. Sem dúvida, um livro que se lê com o prazer de um bom romance policial servido com a agudeza da observação dos caracteres humanos.


sexta-feira, 24 de junho de 2022

O avesso da pele, Jeferson Tenório

 O avesso da pele, Jeferson Tenório


Quando, pela repetição no noticiário midiático, normatizamos o absurdo, só a ficção nos salva da insensibilidade. O racismo é um desses absurdos que nos insensibiliza por sua repetição, principalmente o racismo contra a população preta. “O avesso da pele” desperta-nos para a realidade, através da ficção: não se pode mais ignorar o sofrimento individual provocado por atitudes, gestos e palavras racistas que o dia a dia nos traz. A história se passa quase toda em Porto Alegre, “a cidade mais racista do país”, onde uma família de negros tenta viver, sobreviver e ascender socialmente contra todas as injunções de pobreza, discriminação e demais percalços que a vida num país de imensa desigualdade social nos reserva. Uma crítica incisiva e pertinente às nossas misérias sociais, como o ensino público precário, uma polícia racista, uma sociedade insensível. O enredo é simples: conta a história de Pedro que, depois do assassinato do pai, numa abordagem policial estúpida, procura resgatar o passado da família e refazer a trajetória paterna como homem, pai e professor negro. Há passagens comoventes, como quando o pai, aos 52 anos, desiludido de sua profissão, ouve seus apáticos alunos conversarem sobre um assassino em sua comunidade. Numa atitude meio intempestiva, diz a eles que conhece um assassino de duas pessoas e que pode apresentá-lo a eles, para que conheçam suas motivações. Desperta, então, a curiosidade dos jovens e traz para a sala de aula uma profunda discussão sobre “Crime e castigo”, de Dostoievski, o que não apenas liberta da apatia seus alunos, mas redime o professor das aulas que ele achava medíocres, na sua autocrítica desesperada. A literatura feita por autores negros, desde Machado de Assis, Cruz e Souza, Lima Barreto, passando por Carolina Maria de Jesus e tantos outros, tem mais uma voz atual e potente, não só pela temática antirracista, mas principalmente pela habilidade do autor de nos envolver numa história bem articulada e muito bem contada, com uma estrutura literária consistente e sensivelmente desenvolvida para nos encantar e nos despertar para a dura realidade, através da ficção.


terça-feira, 21 de junho de 2022

Bonequinha de Luxo, Truman Capote


Bonequinha de Luxo, Truman Capote

As cortesãs, mulheres de “vida fácil”, que ganhavam a vida à custa da venda de seu corpo, de forma explícita ou velada, sempre despertaram curiosidade e em torno delas muitos romances e muitas histórias foram escritos. A visão romântica da “profissão mais velha do mundo” (um chavão) mostrava heroínas fascinantes, que despertavam o desejo dos homens e os levava, muitas vezes, à ruína, mas acabavam punidas de alguma forma pela vida: morriam tísicas, como a “Dama das Camélias”, ou terminavam seus dias na pobreza. Era a mentalidade da época: punia-se o pecador, para exemplo de uma sociedade conservadora e hipócrita. Se tem um ponto de vista ainda romanceado da velha profissão, Truman Capote, no entanto, não pune sua heroína e o romance (ou novela, como queiram alguns) tem um final aberto: sabemos que ela se vai, quando perde a oportunidade de “mudar de vida”, para o Rio de Janeiro e, depois, Buenos Aires, África... Bem, o enredo é simples: o narrador (“Fred”, o nome que lhe é dado pela heroína) é um escritor pobre que descobre ter uma vizinha encantadora, Holly Golightly, uma jovem que não encontra seu lugar no mundo, está sempre transitando em busca de boas companhias e grandes festas. A personagem é apresentada com uma personalidade frágil e confusa que busca nada mais além de sua própria felicidade que, segundo ela, é um estado de satisfação semelhante à sensação encontrada ao observar as vitrines da Tiffany & Co. pela manhã, daí o título original, “Breakfast at Tiffany’s”. Apaixona-se por ela, claro. Mas a moça se envolve com um velho mafioso preso e, inocentemente, serve de pombo correio para sua comunicação com o mundo exterior. O escândalo estoura quando ela está prestes a se casar com um diplomata brasileiro. Com a reputação e a vida arruinadas, só lhe resta fugir, o que ela faz, caindo no esquecimento público, mas não no esquecimento do narrador, que ainda suspira e sonha com seu amor platônico distante. Nada mais romântico, nada mais “naturalista”, num mundo em guerra, que é quando se passa toda a ação desse livro publicado em 1958.


sábado, 18 de junho de 2022

A vida dos grandes compositores, Harold C. Schonberg

A vida dos grandes compositores, Harold C. Schonberg

Com 743 páginas, esse é um livro talvez mais para consulta do que exatamente para leitura. Por essa razão, tenho-o lido há dez anos: cada vez que termino de ler um livro, seja de que gênero for, eu o pego e leio algumas páginas, para “limpar o cérebro” do estilo do autor precedente e começar um novo livro. Mas, sua leitura não tem nada de cansativa ou desagradável, ao contrário: não só me divirto com a biografia dos grandes compositores, como também aperfeiçoo – bastante – os meus parcos conhecimentos musicais, com as análises que o autor faz das principais composições de cada um dos mestres biografados. Traça ele uma linha contínua desde os pioneiros da ópera, no século XVIII, destacando a vida e a obra de Claudio Monteverdi, até o século XX, com os minimalistas. Seu estilo é claro e conciso, embora seja longa a obra. Estão lá retratados e analisados os autores barrocos, como Bach e Handel; os clássicos, como Haydn e Mozart; os revolucionários, como Beethoven e Schubert; os românticos, como Schumann e Chopin; e assim por diante, numa lista que inclui ainda Mendelsohn, Rossini, Brahms, Strauss, Gounod, Mahler, Stravinsky, Elgar, Bartók, Messiaen e dezenas de outros nomes, da chamada música erudita ou clássica. Erudita, porque necessita de um vasto conhecimento musical para ser composta. Clássica, por ter-se tornado modelo e entrado para a História. Há lacunas? Sem dúvida, já que o autor optou por enfatizar o mundo musical europeu, referindo-se pouco a compositores de outras plagas. No entanto, para quem, como eu, que sou leigo, mas fanático pela música dos grandes compositores, esse alentado volume de “A vida dos grandes compositores” torna-se um livro de cabeceira, para eventuais leituras e constantes consultas.

quarta-feira, 15 de junho de 2022

O Segundo Sexo, Simone de Beauvoir

 O Segundo Sexo, Simone de Beauvoir


Publicado em 1949, esse livro de Simone de Beauvoir só não é mais atual porque traz narrativas, referências e costumes da Europa pós-segunda grande guerra, quando o mundo ainda se recuperava dessa hecatombe que se abatera sobre milhões de pessoas e ainda tentava tirar das cinzas os novos costumes e a nova filosofia que emergia, como o próprio feminismo. Sua escrita talvez fosse radical para a época, mas continua precisa na análise da condição da Mulher. Se muito avanço se registrou nesses 73 anos, muito ainda há para se chegar ao ponto ideal de igualdade entre homens e mulheres, no mundo ocidental. O machismo estrutural e estruturado ainda está presente em amplas facções de nossa sociedade, principalmente nas hordas de uma direita hidrófoba e estúpida, que se nega a perceber que, em termos sociais, a humanidade só tem a ganhar com a conquista pela mulher de direitos iguais aos do homem; que não há perda para o macho se as mulheres a ele se equiparem nas lutas e conquistas por melhores condições de vida, muito ao contrário. Esse o pensamento central da obra de Simone de Beauvoir, que deve, sim, ser lida e relida por amplas camadas de nossa intelectualidade, de nossos políticos e de nossos empresários, para que se rasgue esse véu de hipocrisia que ainda impede que tenham as mulheres os mesmos empregos e os mesmos salários conquistados por seus iguais masculinos; para que ela assuma na sociedade o seu papel exatamente ao lado do homem e não submissa a ele; para que o feminicídio deixe de existir em nossa sociedade e para que se instaure o mesmo respeito pelas mulheres que os machos têm uns pelos outros e que as mulheres suplantem também entre elas a condição de imanência e de complexo em relação ao homem, para adquirirem a condição de transcendência a que têm direito, como seres humanos, e não como complemento do homem. O mito da “costela de Adão”, fixado pelo cristianismo, é poderoso, mas não impossível de ser destruído e colocado no seu devido lugar, como apenas mais um mito absurdo que promove e mantém na mente dos seres humanos, inclusive das próprias mulheres, a submissão e a escravidão das mulheres. O feminismo deixou há muito de ser uma bandeira apenas da mulher, mas ainda não conquistou corações e mentes, para que a condição de igualdade entre os sexos se estabeleça. Por isso, a leitura de Simone de Beauvoir ainda incomoda tanto essa direita estúpida que usa cinturão e bota de esporas e que teme perder o chicote e, com ele, a sua masculinidade. Depois de uma longuíssima análise da condição da mulher, depois de argumentar e trazer à tona todos os medos e receios da humanidade, ou seja, tanto dos homens quanto das mulheres, em relação à ideia de igualdade, a autora termina suas reflexões com estas palavras simples, porém de grande força e profundidade, diante de tudo quanto escrevera antes: “Não há como dizer melhor. É no seio do mundo que lhe foi concedido que cabe ao homem fazer triunfar o reino da liberdade; para alcançar essa suprema vitória é, entre outras coisas, necessário que, para além de suas diferenciações naturais, homens e mulheres afirmem sem equívoco sua fraternidade.” Sem dúvida, “O Segundo Sexo”, ao lado de “O Capital”, de Marx, e de uns poucos outros, é um dos livros mais importantes da História. Necessário, sempre.

domingo, 12 de junho de 2022

Retrato de um assassino: Jack, o Estripador: caso encerrado, Patricia Cornwell

 

Retrato de um assassino: Jack, o Estripador: caso encerrado, Patricia Cornwell



Mais de um século depois dos assassinatos que abalaram Londres, Patricia Cornwell trava uma luta obstinada contra não só tempo, mas também contra o descaso para com os arquivos que contêm os inquéritos desse caso. No entanto, desde o início de uma longa narrativa, busca convencer-nos de que ela encerrou o caso: Jack, o Estripador é o pintor Walter Sickert, sem nenhuma dúvida. Sickert foi considerado na segunda metade do século XX como um dos maiores pintores da Inglaterra. Nasceu na Alemanha, em 1860, mas muito cedo radicou-se na Inglaterra. Os crimes mais famosos de Jack, o Estripador, ocorreram em 1888. Era um homem bonito e tinha uma vida errática pelos bairros de Londres, frequentando teatros e alugando estúdios mais ou menos secretos em vários dos lugares mais pobres da cidade, tendo o hábito de vagar pelas ruas nas noites frias e nevoentas. Casou-se com uma mulher 15 anos mais velha, cuja fortuna sustentava sua vida de boêmia. A vida do casal era bastante estranha, para se dizer o mínimo: conviviam um com outro muito pouco, pois Sickert passava dias e semanas longe de sua casa, o que acabou levando a que se divorciassem por volta da virada do século. Aluno, por alguns anos de James Abbott McNeill Whistler, participou do movimento simbolista da pintura. Não há provas concretas de que Sickert seja o frio assassino das prostitutas das ruas de Londres em 1888, primeiro porque os inquéritos da época eram ainda muito toscos, sem nenhum cuidado com as provas; segundo, porque qualquer possibilidade de identificá-lo como o assassino através de técnicas modernas, como o DNA, se dissiparam quando seu corpo foi incinerado, após sua morte em 1942. As centenas de cartas que Jack escreveu para a imprensa e para a polícia, zombando das técnicas de investigação, dando pistas ou fazendo promessas – que ele cumpria, muitas vezes – permitiram à autora fazer um trabalho de análise de caligrafia, estilo etc. que sustenta as suspeitas da tese de terem sido escritas por Sickert, apesar de sua habilidade em disfarçar a letra e colocar remetentes e endereços falsos. A autora faz uma trabalho realmente notável de levantamento de dados da vida do pintor, de suas andanças, de suas manias e idiossincrasias e de seu método de eviscerar as vítimas, quase todas prostitutas pobres. As descrições do estado dos corpos nos colocam diante um assassino frio, calculista e extremamente desumano. Não se sabe se ele continuou matando durante sua longa existência, principalmente depois que ele se muda para a França, porque os poucos casos semelhantes que chegaram à imprensa não tiveram a repercussão da série de assassinatos de 1888: o nome de Jack, o Estripador já estava esquecido a partir dos primeiros anos do século XX. Há um outro aspecto no livro de Cornwell digno de se notar: a descrição da situação de Londres naquele final de século XIX. Abre-se diante de nós o panorama de uma cidade suja, fedida, mal iluminada, habitada por milhares e milhares de seres humanos vivendo na mais extrema pobreza, em cortiços e casas de cômodos precários. A prostituição era, quase sempre, a única saída para as mulheres miseráveis, abandonadas por seus companheiros, tendo filhos para criar, que a autora chama de Infelizes, assim, com letra maiúscula, para realçar a sua luta pela sobrevivência. Enfim, um livro que leva pelos caminhos mais sórdidos da espécie humana e nos deixa na boca o gosto amargo de pensar que possam existir seres humanos como Jack/Sickert, que mergulham no fosso mais profundo da sordidez para satisfazer seus instintos assassinos. Se há controvérsias – e ainda há! – sobre a identidade do famoso estripador de Londres, a longa e obsessiva exposição da autora abre uma perspectiva bastante plausível e possível.


quinta-feira, 9 de junho de 2022

Breve Sexta-Feira - Isaac Bashevis Singer

 Breve Sexta-Feira - Isaac Bashevis Singer


Ao conceder o prêmio Nobel de literatura de 1978 a Isaac Bashevis Singer, a Academia Sueca de Letras atribuiu sua escolha à excepcional capacidade do escritor em “representar artisticamente a condição humana em termos universais” através de sua obra, inteiramente escrita em iídiche. Muitos afirmam que, com essa homenagem, pretendeu-se aliar o reconhecimento a um escritor de inegável imaginação criativa e talento e a um último e pomposo adeus à língua e literatura iídiche, fadada ao desaparecimento. De qualquer modo, o prêmio concedido a Bashevis Singer enfatiza uma afirmação há muito discutida pela teoria literária: o escritor é tanto mais universal quanto é mais profundamente regional. E os contos deste “Breve Sexta-Feira” trazem exatamente isto: muito regionalismo, muita imaginação e, principalmente, muito da cultura, dos hábitos e costumes – religiosos e laicos – dos judeus da Polônia, onde se desenrolam quase todas as tramas das 16 narrativas. O mundo mágico e mítico mistura-se à vida das personagens, todas inesquecíveis, das quais destaco, apenas para reafirmar o interesse despertado pelo autor, a jovem Yentl do conto Yentl, o rapaz da “yeshiva”, que se veste de homem, para continuar estudando a Torá depois que o pai morre. Esse conto virou peça de teatro e posteriormente filme, com Barbra Streisand. Para o leitor não acostumado com a cultura judaica, as referências a aspectos da liturgia religiosa e de nomes de festas, vestes e comidas desse povo pode ocasionar inicialmente alguma dificuldade de compreensão, mas bastam duas ou três páginas para percebermos que a capacidade do autor de nos envolver e de nos levar para seu mundo supera todos os possíveis obstáculos e passamos a fruir de sua prosa elegante e de suas histórias envolventes.


segunda-feira, 6 de junho de 2022

Contra a realidade: a negação da ciência, suas causas e consequências, Natália Pasternak e Carlos Orsi

 Contra a realidade: a negação da ciência, suas causas e consequências, Natália Pasternak e Carlos Orsi



Um breve, porém claro, direto e preciso estudo sobre o negacionismo. Nem é preciso dizer o quanto é atual e necessário esse livro. Os autores começam a narrativa sobre o negacionismo com Heródoto (484-425 AEC), quando o rei persa Xerxes manda construir uma ponte sobre estreito de Dardanelos e essa ponte é destruída por uma tempestade, antes que suas tropas pudessem atravessá-la. Xerxes, enfurecido, ordenou que o mar fosse punido com trezentas chicotadas e... bem, as punições foram bastante severas. Irracional, não? Assim como Xerxes, também agem irracionalmente os negacionistas de nossa era, que negam não só fatos comprovados, mas também a ciência e seu consenso, sobre o qual é necessário que saibamos suas regras e seus caminhos, para entendermos os absurdos a que chegam certos indivíduos, alguns dos quais, por incrível que possa parecer, também são cientistas, mas, imbuídos de ideologias, levantam argumentos contra a ciência e até contra fatos facilmente observáveis. Está aí o terraplanismo. Estão aí as inúmeras teorias absurdas contra as vacinas, contra o evolucionismo, contra as mazelas provocadas pelo cigarro, contra o aquecimento global, contra os alimentos transgênicos, contra o holocausto. Muitos desses negacionismos têm interesses econômicos e estão por trás empresas poderosas que não querem perder dinheiro; mas também há outros interesses difusos e complexos que fazem parte da nossa história. Dizem os autores: “Os negacionismos tendem a cumprir pelo menos uma de três funções: confundir o debate, paralisando a tomada de decisões ou embaraçando a adoção de políticas públicas; criar um espaço psicológico que permita que certas atitudes irracionais sejam apresentadas como razoáveis ou dignas de mérito; e gerar sentimento de solidariedade ideológica, lealdade e coesão interna em grupos que partilham de uma identidade comum”. Repito que é, sem dúvida, um livro necessário, nesses tempos de estupidez por que passamos.