Um ditador na linha, Ismail Kadaré
O autor albanês Ismail Kadaré está na expectativa de receber o prêmio Nobel de Literatura, por volta de 2018, quando escreve o livro “Um ditador na linha”. O prêmio não aconteceu, mas o livro ganhou merecida fama. Não há propriamente uma história, ou há só um fiapo de história: num sábado de junho de 1934, o escritor Boris Pasternak teria recebido um telefonema do homem mais poderoso e temido da Rússia, o camarada Stálin. Há duas perguntas que perpassam todo o livro: a primeira, o telefonema ocorreu mesmo? Ao que tudo indica, sim, conforme vários testemunhos. A segunda: o que realmente conversaram o escritor e o ditador, nos breves três minutos de duração do tal telefonema? E é essa segunda questão que tenta resolver Kadaré. Há 13 versões para a conversa entre as duas personagens, 13 testemunhas que não propriamente se contradizem, mas trazem nuances diferentes para a troca de palavras entre Stálin e Pasternak. E o escritor se dedica a trazer cada uma dessas versões e esmiuçá-las detalhadamente, trazendo inúmeras considerações sobre as intenções e as motivações de cada uma dessas versões, segundo os interesses ou o ponto de vista de cada testemunho, trazendo ao mesmo tempo detalhes da vida dos envolvidos no motivo do telefonema e também de várias outras personagens, escritores, esposas, amantes, poetas etc. Por que tudo isso? A breve conversa entre Stalin e o autor de Doutor Jivago teve por motivo a prisão de um dos maiores poetas russos, Óssip Mandelstam. Queria o ditador que Pasternak interviesse pela soltura do poeta? Por que ele não o fez? Arrependeu-se depois, quando o poeta foi novamente preso, perseguido e morto? Essas questões todas são alvo da preocupação do escritor, mas não formam o escopo do livro. Na verdade, Kadaré, nas entrelinhas de sua narrativa, faz uma longa reflexão sobre o motivo por que os ditadores odeiam tanto os artistas, sejam poetas, escritores, músicos etc. Lembremos a ditadura brasileira de 1964: apesar de fazer rodízio de ditadores de plantão, todos eles perseguiram nossos artistas, durante as duas décadas de sua duração. Imagine-se, então, o estrago que fez Stálin durante as décadas de 22 até o final dos anos 50, na União Soviética, sendo ele o senhor absoluto das vidas, das mentes e da opinião de quem quer que ousasse se manifestar. Por isso, o livro de Ismail Kadaré, através de uma escrita concisa e complexa, mas muito bem articulada e envolvente, tem o condão de despertar no leitor a consciência de quanto devemos temer o autoritarismo e do quanto devemos lutar para nos livrar de governos autoritários, não importa sua ideologia: todo autoritarismo é sanguinário e precisa ser combatido, de preferência em sua origem.