A mulher do viajante no tempo, Audrey Niffeneger
Um texto ficcional é uma espécie de jogo que o autor nos propõe. Se aceitamos as regras do mundo supra real a que ele nos leva; se, mesmo que aos poucos, conseguimos entender essas regras e jogar o jogo com ele, a leitura flui e podemos nos divertir, nos emocionar, nos transformar. Quando mergulhei de cabeça na leitura de “A mulher do viajante no tempo”, nada sabia sobre o livro ou sobre a autora. Entrei no jogo sem nenhuma informação, como se assistisse a uma partida de futebol, por exemplo, pela primeira vez, sem nunca ter sabido nada sobre futebol. Literalmente mergulhei e, quando saí, do outro lado, ao final da leitura, estava transformado. E encantado. A proposta do jogo da autora é absurda, para dizer o mínimo, mas deixa de sê-lo à media que as regras desse mundo para o qual ela nos transporta começam a ganhar coerência interna, não a coerência do nosso mundo real: o protagonista, Henry, tem uma síndrome que o leva a viajar no tempo. Sem controle. De repente, desaparece, deixando no lugar o montículo de suas roupas, e aparece completamente nu em algum lugar do seu passado e, às vezes, do seu futuro. Numa dessas viagens, conhece Clare, uma garota de doze anos, tendo ele na época vinte anos, que virá a ser sua companheira de vida e de complexas relações nas suas constantes viagens no tempo. O livro é narrado na perspectiva de ambos. Não digo mais sobre o enredo, a história. Só o que se precisa saber, para que você embarque também nesta aventura, é que não se sai ileso dessa longa reflexão – que é, no fundo, o tema do livro – sobre o tempo. Nunca havia pensado no tempo – algo sobre o qual sempre pensamos – sob essa perspectiva. Somos escravos dele e dele depende a nossa vida, que é uma linha temporal rumo a um final inexorável. Não nos detemos, no entanto, a aprofundar a nossa vivência em termos de um continuum em que passado, presente e futuro deixem de ser categorias lineares, para se tornarem uma espécie de presencialidade. Assim, a proposta do jogo, que parece absurda, ganha contornos de aprofundamento do que significa a nossa própria existência dentro de uma categoria que não temos ainda nenhuma perspectiva de vir a dominar – o tempo. Um livro, portanto, para ser degustado e apreciado com o prazer de descobertas e novas perspectivas, pela criatividade e, ao mesmo tempo, pelo rigor com a autora nos leva para esse jogo do qual ela parece ter muita consciência, já que, durante toda a narrativa, personagens aparecem jogando desde xadrez ou paciência, até jogos inventados por eles mesmos. Será que estamos sempre jogando xadrez com morte, como na famosa cena de Bergson, em “O Sétimo Selo”?
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