quarta-feira, 24 de setembro de 2025

O jantar errado, Ismail Kadaré

O jantar errado, Ismail Kadaré


A pequena cidade de Girokastra, de apenas 20 mil habitantes, na Albânia de 1943, tem dois médicos de mesmo nome – Gurameto. Para distingui-los, chamam-nos de Gurameto Grande e Gurameto Pequeno. A tranquilidade da vila é quebrada com a chegada das tropas alemãs, comandadas pelo coronel Fritz von Schwabe que foi colega de classe, em Berlim, de Gurameto Grande, por quem nutre um grande apreço e só deseja reencontrá-lo. No entanto, a tropa alemã sofre um atentado e, para que 80 reféns não sejam fuzilados em represália, o oficial nazista recebe do seu antigo colega o convite para um jantar. A cidade assiste, assombrada, aos festejos desse jantar e, como é tradição, denigre o Gurameto Grande por sua covardia e entreguismo e enaltece o Gurameto Pequeno por sua coragem, embora este nada tenha feito. No entanto, ao amanhecer, os reféns são soltos. Resolvido o problema? Não, porque há muito mistério envolvido nesse jantar e todas as circunstâncias estranhas que o cercam só começarão a ser desvendadas dez anos depois, quando a Albânia, já sob o domínio comunista, envia para Girokastra (a mando de Stalilin?) dois investigadores, para prender e interrogar o médico Gurameto Grande, para que ele confesse todos os pormenores ocorridos durante o jantar, pormenores, aliás, de conhecimento das autoridades comunistas. Mas Stalin agoniza em Moscou, o que acirra algumas atitudes dos investigadores, o que leva a cidade a mergulhar ainda mais no mistério daquele jantar, principalmente quando esses investigadores revelam que o oficial nazista Fritz von Schwabe já estava morto meses antes da ocupação alemã. Relembra-se uma antiga lenda girokastrista de um convite para jantar que um menino distraído ou apavorado deixa cair sobre um túmulo do cemitério e o morto que o recebe não pode recusá-lo. Toda a narrativa em torno do jantar misterioso, ocorrido em 1943, serve de pretexto para o autor expor todas as consequências dos autoritarismos por que passou a humanidade na primeira metade do século XX, quando se viveram os tempos tenebrosos do nazismo e do estalinismo. A pequena cidade de Girokastra, perdida no interior da Albânia, não por acaso a cidade natal de Ismail Kadaré, torna-se, com suas casas de pedra centenárias, o microcosmo da política europeia com suas complexas teias e disputas, num relato tortuoso, mas fascinante, a que as páginas desse pequeno grande livro leva o leitor.

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