terça-feira, 2 de abril de 2024

Traficantes evangélicos – quem são e a quem servem os novos bandidos de deus, Viviane Costa



Traficantes evangélicos – quem são e a quem servem os novos bandidos de deus, Viviane Costa


O fenômeno do crescimento das igrejas pentecostais, ou evangélicas, no Brasil, é conhecido por todos. Há muitas explicações para isso, desde a mudança de mentalidade de uma parcela do povo, que era católico e se desencantou com a Igreja, até a agressividade de pregação dos tais “pastores evangélicos”, com sua capacidade de acolhimento e convencimento. Um fenômeno que se espalha por todo o país, mas que se torna mais evidente em dois estados: Rondônia e Rio de Janeiro, principalmente a cidade do Rio, antes reduto de um sincretismo entre catolicismo e as religiões afro, principalmente nos morros e nas favelas, ou comunidades. E não é novidade para ninguém que os traficantes sempre se associaram a esse sincretismo, como forma de se assimilarem às populações e não serem repelidos por elas. Portanto, a nada a estranhar se, a partir dos anos 90, com a ascensão do pentecostalismo, também eles pouco a pouco migrassem para as novas práticas religiosas, pelos mesmos históricos motivos. O que este livro – Traficantes evangélicos – investiga é justamente como o surgimento de facções criminosas ligados aos cultos pentecostais modificou o comportamento das chamadas comunidades. É obvio que a carência dessas populações, abandonadas pelo poder público, torna-as reféns do poder paralelo exercido pelas organizações criminosas. Não importa que essas organizações adotem essa ou aquela crença religiosa: os métodos de dominação, de cooptação e de uma certa “proteção” ou de uma falsa impressão de segurança que os bandidos oferecem aos moradores continuam os mesmos. Quando substituem símbolos, outrora ligados às religiões de origem africana, por símbolos do novo cristianismo pentecostal, observa-se que isso é apenas uma tática de aproximação, de convencimento dessa população de que as “situação mudou” sob a bandeira de Israel, hasteada no alto do morro, ou sob a proteção de Jesus, que não admite que se venda mais a droga mais barata, o crack. Estamos falando do conjunto de favelas no norte da cidade que se constitui no Complexo de Acari, objeto de estudo da autora. Não sou crítico e não gosto de fazer crítica dos livros que aqui comento, mas estranho, e muito, quando a pesquisadora descreve com uma certa satisfação ufanista (nas entrelinhas) o fato de a bandeira de Israel tremular bem no alto do morro, e até publica uma bela foto do evento. Também estranhei quando diz que a pesquisa para o livro levou-a humanizar a figura do traficante-mor de Acari, um tal de Peixão, cujo nome não vou dizer aqui, mas está no livro. Ora, os traficantes também são seres humanos, o que nem sempre é reconhecido pelas polícias assassinas que sobem às comunidades com o único intuito de matar, de acordo com as políticas dos governos neopentecostais que – pasmem! – professam a crença de que “bandido bom é bandido morto”, algo paradoxal, na minha opinião. E só para encerrar, a autora é doutora em sociologia, com vários cursos, portanto altamente qualificada para ter feito a pesquisa que fez, e é também pastora evangélica na comunidade de Acari, o que lhe dá o lugar de fala, por viver e conviver com os moradores, principalmente os que frequentam, com certeza, os seus cultos. Um pós-escrito: embora se refira à perseguição que os neopentecostais fazem aos terreiros, aos símbolos e às imagens dos cultos de origem afro, não há no livro nenhuma palavra de condenação a tais atos, apenas a constatação objetiva de que o Rio de Janeiro é a cidade onde mais se pratica o preconceito religioso, no Brasil. Enfim, um livro para ler e refletir muito mais sobre as muitas perguntas que ele não responde...

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