domingo, 23 de fevereiro de 2025

A Contadora de Filmes, Hernán Rivera Letelier



A Contadora de Filmes, Hernán Rivera Letelier


Há longas narrativas que se apequenam assim que fechamos o livro. Não que não tenha sido importante lê-las, mas não ficam trampolinando em nossa mente, fazendo-nos remoer seus meandros, por muito tempo. Ao contrário, há pequenas narrativas que se agigantam em nossa mente, porque nos fazem pensar em quanta vida e em quantas lições encontramos em suas poucas páginas. E isso aconteceu comigo ao terminar de ler A Contadora de Filmes. Uma narrativa breve, seca, direta, sem metáforas ou subterfúgios. Apenas a vida, nada mais que a vida da narradora, Maria Margarita, que conta sua infância e adolescência ao lado de seus quatro irmãos homens, numa pequena aldeia do deserto do Atacama, uma das regiões mais secas e mais pobres do Chile e, talvez, do mundo, no final dos anos 50. Ela assiste, aos domingos, ao filme que passa no cinema a que seu pai, inválido numa improvisada cadeira de rodas, e seus irmãos não podem assistir, por falta de dinheiro, e tem como responsabilidade contar a eles, com todos os detalhes, o enredo do filme. Aperfeiçoa-se a tal ponto nessa arte de contar filmes que, aos poucos, chama a atenção de todos os demais habitantes da aldeia. Mas, um dia algo novo aparece na vila, algo que vai mudar para sempre a vida da jovem órfã de mãe viva, aquela bela mulher que teve seu primeiro filho aos 14 anos e aos 26 deixou para sempre a família, em busca de uma vida melhor como cantora e dançarina. Como disse, o relato é direto, seco, não há sofrimentos lamentados, apenas vividos. E ficamos, ao final de suas 85 páginas, pensando em como o ser humano se desumanizou diante das condições de exploração causadas pelo capitalismo predatório, sem que haja muitas esperanças para os miseráveis, mesmo quando um novo governo, capitaneado por Salvador Allende, é eleito e todos sabemos o final da história. O livro lembra um pouco Vidas Secas, de Graciliano Ramos, pelo estilo do autor, em fazer com que a personagem de Maria Margarita nos narre sua história sem se lamentar, sem qualquer truque de linguagem, uma história de vida seca e ao mesmo tempo complexa, como a de todos os seres humanos, mas dentro de condições de miserabilidade com que os miseráveis desse mundo infelizmente se acostumam, por não conseguirem encontrar perspectivas de mudança. Um livro inesquecível, sem dúvida.

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