quinta-feira, 27 de março de 2025

A polícia da memória, Yoko Ogawa

A polícia da memória, Yoko Ogawa


Nota inicial e interessante sobre essa obra: nenhum personagem tem seu nome revelado, a não ser o cão Dom e uma família, nomeada genericamente de família Inui. A narradora da história é órfã: seu pai, um ornitólogo, morreu quando os pássaros desapareceram; a mãe, uma escultora, pouco depois, levada pela polícia da memória e morta num ataque cardíaco, segundo a versão oficial. Ela é escritora e vive numa ilha onde não há referência a governos, mas sim a uma polícia que faz desaparecer as coisas e a memória das coisas, pouco a pouco. A população vai-se acostumando às perdas, porque não se lembra de que elas existiram um dia. Porém, algumas conseguem manter intacta essa memória das coisas perdidas e, por isso, são diuturnamente perseguidas, presas e também desparecem. A escritora percebe que seu editor, o homem que revisa seus romances, está em perigo. Resolve ajudá-lo, levando-o para um esconderijo em sua casa, contando para isso com o auxílio de um velho balseiro, cujo barco desapareceu, e que vive numa balsa à beira do rio que deságua próximo, no oceano. São muitos, claro, os perrengues por que passam, para driblar a polícia da memória. Enquanto isso, ela está escrevendo um romance sobre uma aluna de datilografia que perde a voz e torna-se prisioneira de seu instrutor. No entanto, um dia os romances desaparecem e todos são obrigados a queimar os livros e ela perde a memória do que estava escrevendo. A história toda é contada com muita perícia e sensibilidade, com muitos detalhes, e nos leva a pensar sobre a nossa capacidade de lembrar e de como não só certas doenças degenerativas, mas também o autoritarismo nos obrigam à perda da memória, à perda do nosso passado, que é onde buscamos energia para continuar vivendo e para construir o futuro. Não pode haver futuro para um povo e, individualmente, para as pessoas que não têm memória. E há uma outra pergunta que nos provoca a leitura: que lembranças gostaríamos de preservar para sempre em nossa memória? Enfim, um livro para se ler com o prazer da inventividade e da criatividade, numa escrita lenta e envolvente dessa grande escritora japonesa contemporânea.

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