Éramos seis, Maria José Dupré
Aproveitei que será roteirizado para a próxima nove das seis, da Globo, para ler esse livro para o qual, confesso, sempre torci um pouco o nariz, na minha posição de estudante de letras e, depois, de professor de português. Mas, na verdade, faltou oportunidade para lê-lo. Então, vamos lá, falar um pouco sobre ele. Sem (muitos) preconceitos. Inevitável relacioná-lo, por alguma semelhança de tema e de localidade, com outro romance: AMAR, VERBO INTRANSITIVO, de Mário de Andrade. Ambos tratam de famílias paulistanas do início do século passado, sendo a história de Mário passada numa mansão da Avenida Higienópolis e a de Maria José, num sobrado simples da Avenida Angélica, ambas avenidas que se tornaram icônicas da burguesia e hoje são apenas grandes corredores comerciais. Terminam aí as coincidências. Mário escreveu seu romance em 1923, mais ou menos. Já a autora de ÉRAMOS SEIS publicou-o em 1943 e sua história cobre a saga de uma família pobre de São Paulo durante mais ou menos 30 anos, de 1915 até 1942. O motivo pelo qual citei Mário de Andrade é que sua literatura tem a inquietação do modernismo, traz ou busca fórmulas novas de estrutura narrativa, linguagem renovada e uma visão crítica da burguesia paulistana. Já o livro de 1943 tem todo o ranço narrativo do romance do século XIX, ou seja, uma estrutura convencional, sem nenhum vestígio de renovação ou inquietação estilística. Por que, no entanto, fez e faz ainda tanto sucesso? Embora não tenha uma visão crítica e seja, até mesmo, conservadora em suas ideias políticas e sociais, há, sim, uma novidade em ÉRAMOS SEIS: a visibilidade da classe menos favorecida. Embora com ideais burgueses de ascensão social, os seis membros da família da narradora são pobres e têm poucas perspectivas de melhoria de vida, a não ser através do trabalho quase escravo, fazendo encomendas de doces e salgados para as famílias ricas, trabalhando em escritórios ou oficinas, estudando quando possível e, principalmente, sacrificando os sonhos de melhoria de vida pela sobrevivência. O sofrimento, parece dizer a autora, tempera a vida e faz parte dela. Conformemo-nos, portanto. E esse conformismo, temperado pela dor e por aquilo que hoje chamaríamos de “síndrome do ninho vazio” chega-nos através de uma narrativa fluente e até mesmo sincera. Ainda que as personagens não tenham cores profundas de psicologia e motivações, sua história comove e traz lágrimas aos olhos dos mais incautos, além de nos apresentar um retrato vivo do que é a luta pela sobrevivência numa cidade como São Paulo, na primeira metade do século XX. Não é, positivamente, um grande livro, mas agrada, por essa sinceridade. E apesar do conformismo.
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