Os cus de judas, António Lobo Antunes
Era estudante de Letras da USP, quando fui atraído por uma palestra de um escritor português, Branquinho da Fonseca. Quando saí da tal palestra, não me lembrava de nada do que dissera o escritor: ficara embalado em suas palavras, em sua prosódia, no ritmo de sua fala e perdera o conteúdo. Sempre fui fascinado pelo ritmo da fala e da escrita lusitana. Assim, quando li as primeiras páginas de Lobo Antunes, nada entendi, novamente o fascínio do ritmo, das palavras, nesse autor ainda mais radical na estrutura das frases, no uso de um vocabulário desconhecido para nós, brasileiros, na forma de estruturar o texto. Enfim, deixei para outro momento. E esse momento chegou: depois de ler e reler as primeiras páginas e acostumar-me com a linguagem, o romance abriu-se para mim e desvendou um mundo absurdo e ao mesmo tempo realista. Misturando passado e presente, memórias e confidências, guerra – a famigerada guerra de libertação de Angola, com todas as suas mazelas – e angústias pessoais, o narrador, o médico que revela a uma amiga, durante uma noite apenas, seu desespero e seu desencanto com a vida, com o terrível regime salazarista e, principalmente, sua quase apatia diante do terrível sofrimento provocado pelos donos da guerra aos africanos e aos próprios portugueses, de seus gabinetes distantes. Corpos mutilados misturam-se às suas memórias afetivas e eróticas, a seus delírios, numa linguagem ao mesmo tempo lírica e cruel, que nos faz estar diante de um dos grandes livros já escritos no lusitano idioma, a nossa “flor do Lácio”, às vezes tão maltratada. Senti, mais uma vez, o orgulho de concordar, ao ler esse livro, que realmente “minha pátria é a língua portuguesa”.
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