terça-feira, 8 de junho de 2021

Anarquistas, graças a Deus, Zélia Gattai

 

Anarquistas, graças a Deus, Zélia Gattai



Não sei por que, adiei por muito tempo a leitura desse livro, até quase esquecê-lo. No entanto, entrou na minha lista. Felizmente. Zélia não tem o repertório literário de seu marido, mas narra com competência, sensibilidade e bom humor, seus primeiros anos de vida, na década de 20, do século passado, numa São Paulo inimaginável pelos atuais habitantes da megalópole de 11 milhões de habitantes. Uma São Paulo provinciana (será que ainda não o é, apesar de tudo?), com usos e costumes que lembram mais o século XIX, quando ainda pouco chegavam por aqui as novidades tecnológicas que mudaram para sempre o mundo, ao longo desses últimos cem anos, uma mudança tão profunda de usos e costumes, embora talvez não de mentalidades, que estranhamos aquelas ruas barrentas, aquelas toscas corridas de automóveis, aquelas festas e todos aqueles costumes tão detalhadamente debulhados pelos olhos da menina Zélia, ao falar de sua família, de seus vizinhos e parentes, moradores todos por ali em torno e próximos de um dos ícones desta cidade, a Avenida Paulista. Uma família comum, exceto pelo fato de serem, até um tanto ingenuamente - anarquistas, de um anarquismo extremamente humano e solidário, vivendo a vida de classe média da época, cheia de altos e baixos financeiros, mas sempre com grande compreensão de seus próprios limites e de seus pecadilhos, tanto como seres humanos quanto como um núcleo familiar. Um retrato de uma época e de uma cidade, em preto e branco, num recorte, repito, extremamente sensível e esclarecedor dos usos e costumes de então. Nostalgia, mas uma nostalgia sem saudosismo e com uma pitada de ironia, eis, em poucas palavras, o que me despertou a leitura desse livro. Enfatizo, para encerrar este breve comentário, que o marido de Zélia, seu companheiro por muitos e muitos anos, foi um de nossos maiores narradores, cuja obra não deve e não pode ficar esquecida pelas novas gerações. Estou falando de Jorge Amado. Leiamos Zélia Gattai. Voltemos a ler Jorge Amado!


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