quarta-feira, 23 de junho de 2021

Viagem ao fim da noite, Louis-Ferdinand Céline

 Viagem ao fim da noite, Louis-Ferdinand Céline



Este é o caso típico de descolamento da obra com o autor. Publicado em 1932, foi saudado à esquerda e à direita como obra prima, que de fato é, elogiado principalmente por sua inovação no uso da linguagem mais próxima do coloquial, rompendo um certo elitismo dos estilos anteriores. Céline aderiu, no entanto às teorias antissemitas e apoiou abertamente o nazismo, o que lhe rendeu muitos – e merecidos – dissabores. No entanto, o romance permanece como obra prima e não o ler por questões ideológicas é perder uma das mais poderosas narrativas do século XX. Reputo-o como uma espécie de Cândido, ou o Otimismo, de Voltaire, às avessas. Poderia até mesmo ter por título Ferdinand, ou o Pessimismo. Há muito pouco respiro nas agruras do jovem Ferdinand Bardamu, em suas aventuras, desde a primeira guerra, ao qual alistou sem querer e da qual saiu pior, muito pior do que entrara. Seu desespero leva-o às colônias africanas, onde mais uma vez presencia e vivencia todo o desalento e  toda a capacidade de destruir e de se destruir do ser humano. Viaja como escravo de galé num navio que o leva aos Estados Unidos, onde novas decepções o esperam. Ao voltar à França, com muito sacrifício, consegue terminar seus estudos de medicina e abre um consultório num subúrbio de Paris. Toda a torpeza da sociedade da época ali está retratada, o ser humano em toda a sua plenitude de fragilidades e de atos, intenções e capacidade de colocar seus sentimentos mesquinhos acima de tudo. Realmente, um grande romance, tanto em sua dimensão literária quanto humana. Não é uma leitura para fim de semana, mas para ser degustado lentamente, como um oceano imenso de emoções. Que se lamentem as escolhas ideológicas do autor, mas que não se deixe ler esse livro por conta dessas escolhas.


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