Ventos do Apocalipse, Pauline Chiziane
Se há uma personagem central neste livro, é a miséria humana. A capacidade do ser humano de, mesmo nas situações mais degradantes, conseguir sobreviver. Um tema que é caro à literatura, esse, da sobrevivência humana em situação extrema. No entanto, cada autor, quando sabe manobrar as palavras e contar uma história com a pena molhada em sangue e a emoção a saltar de cada célula de seu corpo, a narrativa ganha contornos de obra prima, pela verdade de seu relato, pela força que ganham as palavras, quando escritas com essa força estranha que se chama paixão. E Pauline Chiziane tem tudo isso. Seu livro nos leva à África profunda, ao desespero de pessoas e populações em plena guerra de libertação de Moçambique, quando sobreviver torna-se não apenas um ato de coragem e resistência, mas também de sorte. Não há um herói ou heroína, neste livro. São narrativas um tanto quanto fragmentadas de vidas que se movimentam dentro do espaço limitado pelas situações climáticas extremas, de falta do básico, e dentro de suas crenças e conflitos étnicos e culturais, na fuga pela sobrevivência em meio a um conflito armado. Um grupo de homens, mulheres, crianças – de todas as idades – busca uma espécie de paraíso onde se encontraria a paz, onde a vida seria de novo possível, mas não se engane: não há paraíso na terra, principalmente numa terra encharcada de sangue e de ódio. Não é literatura para corações piedosos, mas um desafio a cada página à nossa própria capacidade de empatia e de compreensão das mazelas humanas. Vencida essa resistência – até natural – chegamos ao fim com a certeza de que lemos um profundo depoimento sobre nossa própria capacidade de sobreviver como raça humana e mais, com certeza de que acabamos de ler um grande livro.
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