O piano e a orquestra, Carlos Heitor Cony
Com toques de realismo fantástico, viajamos com o autor ao longo dos trilhos da estrada de ferro que liga o Rio de Janeiro à fictícia cidade de Rodeio, onde vive Francisco de Assis Rodano. Ali ele cresce com uma dúvida cruel, que seu primo culto da cidade do Rio não consegue dirimir: a crença no Outro, ou seja, em Deus. Disposto a ser do contra, tem em sua trajetória uma passagem como toureiro de um circo mambembe dentre os muitos que passam pela pacata cidadezinha. Um dia, depois de matar o touro, que nada mais era que um boi fugido do matadouro da cidade vizinha, resolve assumir-se como o próprio inimigo do Outro, como o Demônio, e lançar o grande desafio. Já o seu primo jornalista está às voltas com uma vaca falante e quando essa vaca morre, ele decide investigar as atividades paranormais do primo de Rodeio que, dizem, já fez até defunto ressuscitar. As trajetórias dos dois personagens se entrelaçam numa narrativa divertida, em que as reiterações do autor, como notas repetidas de uma sinfonia, nos mostram vidas de indivíduos sempre em descompasso com a sociedade, como um piano em descompasso com a orquestra. A cidade de Rodeio, como uma Macondo fluminense, surpreende-nos a cada página com seus moradores e suas idiossincrasias, na escrita de um de nossos mestres da literatura contemporânea. Um livro realmente delicioso.
Nenhum comentário:
Postar um comentário