Barteleby, o escriturário - Herman Melville
Há livros que se leem com grande prazer. Há livros que causam um grande impacto em nossa vida, em nosso pensamento. Há livros que têm personagens incríveis, que permanecem por muito tempo em nossa memória. Todos, no entanto, em algum momento deixam de ser lembranças vívidas e passam ao terreno das boas recordações, recordações esmaecidas embora prazerosas. Mas há livros e personagens indeléveis: vieram para ficar. E acredito que Bartleby, esse escriturário de um pequeno texto de Melville, quase um conto alongado, é um desses personagens. O mais incrível é que Bartleby tem uma existência praticamente nula. Sua força está em praticamente não existir, e sim em resistir. “Prefiro não fazer”, o seu mantra de desobediência passiva, certamente ressoa e permanecerá para sempre em nossa memória. Expliquemos: Bartleby é contratado pelo narrador, proprietário de cartório, em Wall Street. Sua função: fazer cópias de documentos, como aliás é a função dos outros dois personagens do livro. Mas, num determinado momento, ele, sempre arredio, silencioso e apenas seguidor das ordens do patrão, deixa de cumprir aquilo que não lhe é devido, entregando-se cada vez mais a um isolamento que angustia o dono do cartório que, no entanto, movido por não se sabe se por compaixão, medo, interesse, curiosidade, não o despede. E Bartleby – o mistério – continua ali, até que, um dia, sem coragem de mandar embora aquele ser imóvel e imobilizado, que parece morar no próprio local de trabalho, o dono do cartório resolve mudar-se daquele local cercado de edifícios, mal ventilado, e deixar para trás o empregado, como se fosse apenas um móvel sem mais utilidade. Acossado, no entanto, pelos antigos vizinhos, que lhe cobram responsabilidade, vai encontrar o empregado numa prisão, agora não apenas mudo, mas também anoréxico, completamente alheado do mundo. Bartleby, com seu mutismo, sua não existência e sua resistência, talvez simbolize todos os “estranhos” do mundo, os indivíduos inadaptáveis, e também aqueles que resistem ao sistema e a ele se opõem de forma passiva, numa luta surda e muda, mas de grandeza e ascetismo. Há ecos de Bartleby em Gandhi? Não sei. Sei que, na literatura, há muitos personagens icônicos, filhos, netos, tetranetos de Bartleby, como o Gregor Samsa de Kafka, ou o Quincas Berro d’Água, de Jorge Amado, para citar apenas dois, temporal, geográfica e culturalmente distantes, ambos igualmente inesquecíveis.
Nenhum comentário:
Postar um comentário