sábado, 18 de setembro de 2021

Eu sei por que o pássaro canta na gaiola, Maya Angelou

 Eu sei por que o pássaro canta na gaiola, Maya Angelou



“Ao cabo, só existem ideias velhas caiadas de novo”, dizia nosso Machado de Assis. Talvez todas as histórias já tenham sido contadas, talvez. Isso não importa. Mais do que uma trama, uma história, sempre está em jogo o modo como ela é contada, com maior ou menor perícia. Como duas toalhas bordadas por mãos diferentes: uma é bela, porque está bem feita; a outra é obra-prima, porque tem o toque do gênio nos dedos que a bordaram. Então pense neste cenário: primeira metade do século XX, uma garota negra nos Estados Unidos. Enredo óbvio: pobreza, abandono, abuso, luta pela sobrevivência e... racismo. Pois, é praticamente esse o roteiro da história da garota negra e seu irmão que chegam no começo dos anos 30 a uma cidadezinha de Arkansas, para viver com a avó, dona de um armazém para negros. Mãe envolvida com uma carreira de artista e com muitos maridos e amantes; pai, ausente. E agora, a avó protetora, que provê, no entanto, a falta dos pais e a subsistência das duas crianças. Que não escapam, no entanto, ao tentarem viver de novo com a mãe, do velho problema do padrasto abusador da menina que mal saíra da infância. Bem, fiquemos por aqui, para não contar a história toda, já mais ou menos vislumbrada, nessas poucas linhas. Como disse, se a história não é nova, a forma de narrar da autora nos leva ao prazer de dizer: ah, quando crescer, quero escrever como essa mulher Negra (com letras maiúsculas, como ela usa para se referir a todos os Negros). Sim, estamos diante de uma obra prima, numa narrativa que nos enreda não só pela história que, em si não é improvável, mas principalmente pela elegância do estilo e pela visão de uma sociedade injusta, contra a qual ela se insurge sem piedade e também sem autopiedade, numa análise de quem sabe do que está falando e tem autoridade, capacidade e, sobretudo, agudeza de observação para nos enredar. Sim, Maya Angelou sabe por que o pássaro canta na gaiola, e o diz com a precisão e a beleza cirúrgicas de uma grande escritora e uma grande mulher (para quem chegou até aqui, sugiro que busque por sua biografia).


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