A relíquia, Eça de Queirós
Uma longa piada, só possível de ser contada do jeito que foi: por um dos mestres da língua portuguesa. Teodorico fica órfão e, depois de passar por vários conventos e casas de recolhimento, acaba sendo recebido por sua tia, para completar sua educação. Ela é uma carola de carteirinha. E rica, muito rica. E viúva sem filhos. O jovem Teodorico deseja herdar a fortuna da tia, mas fica sabendo que tem concorrentes: ela pretende deixar seus bens para os padres. Então, bola um plano: conquistar a confiança da tia, para ser o único herdeiro. Para isso, torna-se mais carola até que a própria tia, frequentando missas, rezando com ela todos os dias, ajoelhado ao pé do altar caseiro e demonstrando seu fervor católico de mil e uma maneiras, enquanto leva, em Lisboa, uma vida dissoluta, com as “mulherinhas”, como diz o autor-narrador. Para provar definitivamente sua fé, convence a tia a enviá-lo numa peregrinação à Terra Santa, de onde promete trazer relíquias que melhorem o estado de saúde da velha, ao mesmo tempo que deseja sua morte. Também sabe que, se a tia descobrir suas aventuras com as “mulherinhas”, será expulso de casa, sem direito a nada. Viaja para Jerusalém e, ao lado de um sábio alemão, um arqueólogo, tem na chamada cidade santa uma espécie de longo delírio com a prisão, condenação e morte de Jesus. Prosseguindo no seu plano de conquistar de vez o coração da velha tia, escolhe uma relíquia – falsa, naturalmente – que a leve definitivamente a considerar o sobrinho um santo. Mas as coisas não saem como o esperado. Teodorico, na verdade, não acredita em nada, é tudo um fingimento. O autor, Eça de Queirós, dá-nos uma lição de mestre da língua, numa história deliciosamente contada do começo ao fim, com ironia, suspense, longas e belas descrições, além de nos brindar com sua verve profundamente crítica ao exacerbado catolicismo português.
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