Apologia da história ou o ofício do historiador, Marc Bloch
Para que serve a história? É a pergunta de um filho que Marc Bloch procura responder neste livro. E a partir de uma de suas maiores convicções, a de que o historiador tem a obrigação de difundir e esclarecer, sabendo falar ao mesmo tempo aos doutores e aos estudantes, ele desenvolve sua tese de que é preciso conhecer o passado para iluminar o presente. E mais: que o historiador tem como matéria o homem (no sentido amplo do termo) colocado no tempo e que o passado não é algo estático, mas em construção, em função de novas metodologias para interpretá-lo. Diz claramente: “A própria noção segundo a qual o passado enquanto tal possa ser objeto de ciência é absurda.” Seu objeto é “o homem”, ou melhor, “os homens”, “os homens no tempo”. Os testemunhos – documentos – do passado precisam ser lidos e interpretados e a função do historiador é saber fazer as perguntas certas a esses documentos, dentro de uma metodologia que inclui perceber que esses testemunhos mentem muitas vezes, mas mesmo a mentira contada neles pode ser tão ou mais útil para o entendimento de seu tempo histórico do que até mesmo quando são verdadeiros. E deve ainda mais o historiador recorrer a múltiplas fontes, a múltiplas técnicas e a muitos outros conhecimentos que o possam auxiliar na tarefa de interpretar o passado e não julgar o passado, como muitos historiados fazem. Também é objeto de preocupação para o historiador o fato de que a história, mesmo tratada como uma ciência, não conseguiu desenvolver um vocabulário específico como as outras ciências. O historiador precisa, portanto, dispor de habilidade para, ao tratar de coisas e acontecimentos do passado, não usar um vocabulário que não lhe seja adequado evitando o anacronismo. Critica a divisão da história em períodos relacionados a “hegemonias de natureza diplomática e militar” e lembra que Voltaire já havia protestado que “... de 1400 anos para cá, não houve nas Gálias senão reis, ministros e generais”, abrindo novas perspectivas para o que veio a se denominar posteriormente de micro-história. Enfim, neste pequeno volume, o autor destrói mitos e aponta caminhos para um olhar absolutamente revolucionário nos estudos históricos. Isso, para um livro escrito numa situação de total falta de condições de consulta a fontes, apenas usando sua prodigiosa memória, quando foi preso e depois executado pelos nazistas em 16 de junho de 1944, deixando sua obra inacabada. Para os historiadores de hoje, um livro de cabeceira; para nós, leigos, mas que gostamos e precisamos de entender o presente e, principalmente, nós que temos a certeza de que só podemos compreender o nosso tempo se tivermos noção clara do passado, um precioso livro de reflexão e de abertura para outras leituras. Por isso, termino essa resenha com uma de suas tantas e inúmeras frases lapidares, pinçada desse livro fabuloso: “A incompreensão do presente nasce fatalmente da ignorância do passado.”
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