As aventuras de Alice no país das maravilhas e Através do espelho, Lewis Carrol
Os dois livros emblemáticos de Lewis Carrol tiveram tantos comentários, tantos textos publicados (e lidos), tantos filmes neles baseados, que o interesse na sua leitura se dissipou – as histórias eram conhecidas demais. Então, um dia, me interessei um pouco pela vida do autor: “descobri” que ele era apaixonado por meninas e odiava meninos, algo mais ou menos óbvio em suas biografias que, por sinal, quase sempre deixavam no ar a ideia de que ele tinha tendências pedófilas, para dizer o mínimo. No entanto, essas mesmas biografias nunca conseguiram provar nada contra Carrol. Ficava o estranhamento. E afirmava-se que Alice Riddell, sua preferida entre dezenas de garotinhas com quem ele se correspondia, de quem ele se aproximava, com quem ele passeava (com as devidas autorizações paternas) e para quem ele inventava centenas de jogos, Alice era a sua paixão recolhida, afirmando mesmo alguns biógrafos que seu rompimento com a família da garota deveu-se a uma possível intenção de casamento futuro com ela. Também me chamou a atenção o fato de que Lewis adorava retratar suas amiguinhas, muitas vezes nuas (com o consentimento dos pais!), tendo ficado um grande acervo dessas fotografias, menos as de nudez, que a família (dele) preferiu destruir, para não alimentar talvez os boatos sobre as tendências sexuais do autor (diz-se que restaram apenas quatro). Mas o que me levou a ler a obra de Lewis foi uma notícia publicada na Inglaterra, com pouca repercussão internacional: Carrol era realmente apaixonado não pela garota Alice, mas por sua mãe, esposa do amigo muito próximo. E que o tal rompimento ocorreu quando o casal descobriu essa paixão. Assim, se verdadeira (e parece que é), desfaz-se o mito da Alice-paixão, e praticamente todas as teorias psicanalíticas (que exploraram à exaustão a paixão do autor por menininhas e, em especial, por Alice) caíram por terra. Restou o autor com seu estranho gosto de preferir a companhia de garotinhas. Mito desfeito, procurei ler os seus dois livros, agora com o olhar de quem gosta e vive da boa literatura, embora tenha já há muito ultrapassado a idade de apreciar leituras voltadas para o público infantil e juvenil e, fechando ainda mais o leque, para menininhas pré-adolescentes. Mesmo assim consegui me divertir com os dois livros: o non sense levado ao extremo, com centenas de jogos de palavras e de piadas relacionadas todas elas aos jogos que o autor inventava para divertir suas amiguinhas, além de muitas e muitas referências a situações de sua convivência com elas e de muitas brincadeiras com poemas de dezenas de autores e com situações da época, século XIX, que, na Inglaterra vitoriana ganha aspectos diferenciadores, na linguagem, nos costumes, nas artes, no vestuário, na vida cotidiana enfim. “O país das maravilhas” é recheado de símbolos que fazem a delícia dos psicólogos e “através do espelho”, a delícia de quem gosta de jogos, principalmente de xadrez, e ambos fazem a delícia de quem aprecia uma boa história recheada de citações literárias, de trocadilhos, de metáforas, de referências filosóficas e de jogos de palavras, além do próprio enredo mirabolante de ambos os livros. Enfim, são obras complexas para as garotinhas de hoje, que talvez só apreciem mesmo o enredo mirabolante, sem as inúmeras implicações subentendidas. Finalizo meu comentário (que já se alongou além do necessário) com o fato de que a edição que eu li (e que traz ambos os livros e mais um capítulo do “país das maravilhas” descartado pelo autor) encerra centenas de notas explicativas e detalhadas de cada uma das passagens dos dois livros, além das ilustrações de John Tenniel, elaboradas segundo recomendações do autor. Devo confessar, finalmente, que, embora tenha apreciado a leitura de ambos os livros, acabei me divertindo mais com os detalhes saborosos das notas explicativas do que exatamente com as aventuras de Alice no seu país das maravilhas e do que ela encontrou atrás do espelho.
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