Ano zero – uma história de 1945, Ian Buruma
A segunda guerra mundial terminou em 8 de maio de 1945, na Europa, com a rendição da Alemanha. Na verdade, não é bem assim. A matança continuou durante do todo o ano, sem contar que, na Ásia, o Japão só se rendeu em setembro, depois das bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki. As comemorações pelo mundo todo, em maio, com fotos de fogos, bailes, beijos, abraços etc. escamoteiam uma triste realidade: o após-guerra foi o tempo da vingança. E a vingança foi tão cruel quanto a própria guerra. No livro “Inferno: o mundo em guerra 1939-1945”, Max Hastings relata a invasão da Alemanha pelos russos. Na esteira do exército vermelho, milhares e milhares de pessoas tomaram cidades, ruas e casas de cidadãos alemães, pilhando, matando, estuprando, numa vingança desenfreada, pelos sofrimentos infringidos pelo exército de Hitler aos russos, durante os anos de guerra, que foram extremamente sofridos. Mas, para por aí. Já o livro de Ian Buruma traz um relato sucinto do que foram os dias e meses após o término da guerra, tanto na Europa, quanto na Ásia. As descobertas dos campos de concentração e dos campos de extermínio, com milhares e milhares de corpos de, principalmente judeus, empilhados ou mal enterrados em covas rasas; esses mesmos judeus encontrados ainda vivos nesses locais, em condições de extremo sofrimento e, enfim, a percepção da política de extermínio nazista de minorias e do povo judeu, tudo isso ainda seria uma parte do sofrimento que os seres humanos padeceriam após o término do conflito. Os julgamentos sumários e a consequente execução de alemães, de colaboradores, principalmente mulheres que se prostituíram durante a ocupação nazista, por uma questão de sobrevivência, a perseguição a qualquer pessoa que fosse simpatizante nazista, a libertação de milhares e milhares de prisioneiros que não tinham para onde ir, porque suas cidades e suas casas estavam destruídas (muitos judeus, sempre eles as vítimas - num processo de racismo que não foi extirpado com a queda do nazismo - quando voltaram para suas casas, encontraram-nas ocupadas por “cidadãos de bem” que lhes batiam a porta na cara), os chamados “deslocados”, uma multidão enorme de cidadãos de quase todos os países, e mais: a miséria, a fome, o frio, já que todo o sistema de produção precisava ser reconstruído, tudo isso levou a muitas, muitas mortes e a muito sofrimento. Tanto na Europa, quanto na Ásia, após a rendição japonesa. E sobre toda essa situação caótica perpassa o sentimento de vingança, a sede de sangue dos vencedores, a caçar e trucidar os vencidos, em matanças tanto coletivas quanto individuais. Claro que houve muitos sobreviventes dos antigos regimes nazifascistas – até mesmo os chamados “peixes grandes”, responsáveis diretos pelas políticas de extermínio, em todos os países, da Alemanha, passando pela Itália, até o Japão, porque muitas vezes a vida dessas pessoas interessavam aos vencedores, para continuar funcionando o mínimo possível a burocracia, o sistema produtivo, e também porque era impossível dizimar países inteiros que viveram sob o regime vencido. Mas extirpar as ideias nazifascistas era a finalidade, a todo custo, e o custo foi muito alto, em termos de vidas humanas. Poucos líderes daqueles momentos pensaram em outra solução que não fosse a matança. A criação da ONU, no final do ano, a tentativa de unir os povos num ideal de justiça e, principalmente, de paz – a utópica paz perpétua – ficou na intenção de poucas nações e não se concretizou. A consequência foi a guerra fria e, bem, o que veio depois não é o escopo dessa longa e, às vezes aterrorizante narrativa, que é “Ano zero – uma história de 1945”, um livro para se ler com a mente atenta à capacidade de a humanidade não conseguir se entender, por questões ideológicas, e de continuar fazendo guerras estúpidas e matando em nome de princípios absurdos, como colonialismo, racismo, preconceito e outras tantas mazelas.
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