domingo, 13 de novembro de 2022

O coração disparado, Adélia Prado

 O coração disparado, Adélia Prado


Quando comento um livro de poemas, não busco a citação de versos ou trechos para ilustrar o que eu penso desses poemas: quero registrar apenas o que de poesia restou em mim, depois que fecho o livro e o devolvo à estante. Assim vou fazer com Adélia Prado. Não preciso dizer que ela é um fenômeno poético-literário, por ser uma mulher do interior de Minas, da cidade de Divinópolis, a encher o imenso teatro da PUC/SP (o TUCA) com pessoas que ali foram exclusivamente para ouvi-la, inclusive eu, há alguns anos. Adélia é poeta, mas acima da poeta está a mulher. Sente, pensa, escreve e se revela como mulher. Tem desejos e fantasias e os confessa. Sem pejo. O amor erótico está presente em toda a sua obra, de forma clara ou sub-reptícia. Não teme as palavras e desafia-as com sua franqueza. Adélia é, como quase toda mineira (e quase todo mineiro) católica e carola. Até já escrevi em um poema, uma vez, que o mineiro ateu comunga e vai à missa, pelo menos uma vez por ano. Mas sua “carolice” é crítica e assustadoramente – para os padrões interioranos – pessoal. Deus está ali, em cada poema, em cada verso, mas não é o deus bíblico furibundo, a condenar os pecados do mundo. Tenho a impressão de que, para a poeta, é um deus bonachão e... até um pouco erótico, mesmo quando se revela através de forças destruidoras da natureza. Mas, acima de tudo, é um deus que está no sangue quente de ardores eróticos, eróticos e femininos. Adélia é uma mulher comum e, como tal, em sua mineiridade e aparente simplicidade, desvela o cotidiano de sua cidade, de seu dia a dia e dos afazeres domésticos e do espanto diante das pequenas coisas comuns e dos pequenos acontecimentos comuns, das pessoas comuns. Sabe aquele velho adágio que diz que será universal quem canta sua aldeia? Pois Adélia é assim: deixa em nós não apenas as ricas metáforas, a construção literária de que sua arte é capaz, mas principalmente a verdade de sua poesia. Sem dúvida, uma voz a ser sempre ouvida, a da “santa” Adélia do “pau oco”, do erotismo sacralizado ou da santidade erotizada.

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