sábado, 3 de dezembro de 2022

O Som do Rugido da Onça, Micheliny Verunschk

O Som do Rugido da Onça - Micheliny Verunschk

Na década de 20 do século XIX, um grupo de crianças e jovens são escravizados na Amazônia e levados para a Europa por dois cientistas alemães. Sobreviveram apenas dois: a menina Iñe-e e o garoto Jurupi, nomes inventados, porque quase nada se sabe da vida deles em Munique. A menina era da tribo miranha e foi entregue aos europeus pelo próprio pai. Ambos tinham aproximadamente 11 anos. A partir desse fiapo de história, a autora tece e entretece uma trama de pesquisa sociológica, histórica, antropológica e linguística. A finalidade da ida das crianças e jovens indígenas para a Alemanha tinha caráter científico. Martius e Spix, os responsáveis pela expedição de “caça” ao Brasil, pretendiam estudá-los e apresentá-los como curiosidade antropológica aos curiosos europeus, que já faziam isso há tempos também com outros povos. Poucos anos antes, em 1915, houve o famoso caso da chamada Vênus Hotentote, Sarah Baartman, por suas formas exuberantes, inclusive citada no livro. As duas crianças sobreviventes foram, no entanto, “presenteadas” ao rei da Bavária, mas a rainha, depois de algum tempo, sentiu-se incomodada com a forma pela qual suas filhas pequenas tratavam os “brasis” e elas ficaram sob a tutela de Spix. No entanto, não resistiram ao inverno europeu: o menino morreu primeiro e depois, Iñe-e também morreu, aos doze anos. Como diz a autora, “esta é história da morte de Iñe-e”, pois a partir desses fatos, ela reconstrói a vida da menina (e também um pouco do menino) na sua aldeia, desde o nascimento, e na Europa, além de, através de lendas indígenas, ficcionar sua morte de uma forma lírica e cheia de símbolos, relacionados e referidos à situação atual dos povos originários, em páginas de grande beleza poética, em que explora, inclusive, o rico linguajar e os mitos fundadores, principalmente aqueles ligados à criação do mundo e à existência da onça, que ganha destaque e importância na narrativa. Sem dúvida, um livro para se ler com os sentidos aguçados para sua beleza e importância, neste momento da vida nacional, quando a Amazônia está sendo destruída e nossos povos originários, mais uma vez, estão tendo sua existência não só contestada, como correndo altíssimo risco.

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