Medicina dos horrores – A história de Joseph Lester, o homem que revolucionou o apavorante mundo das cirurgias do século XIX, Lindsay Fitzharris
Um livro tão fascinante, que não se como iniciar este comentário. Poderia começar falando que o atual uso de máscaras por quase toda a humanidade, para tentar conter a pandemia de Covid-19 – o que salvou inúmeras vidas – está diretamente ligado a um médico do século XIX, Josph Lester, o biografado nesse extraordinário relato. Mas, acho que vou iniciar a minha resenha com esta citação do livro: “A erisipela era uma das quatro grandes infecções que infernizavam os hospitais do século XIX. As outras três eram a gangrena hospitalar (úlceras que levavam à putrefação da pele, dos músculos e dos ossos), a septicemia (envenenamento do sangue) e a piemia (desenvolvimento de abcessos purulentos)”. Não havia como tratar essas infecções. E quase todos os hospitalizados, principalmente os amputados, acabavam morrendo. Por isso, os hospitais eram chamados de “casas da morte”. Em meados do século, já o processo de industrialização na Inglaterra atingia altos picos, o que levava a uma quantidade absurda de acidentes de trabalho, por prensas e outras máquinas que mutilavam os operários, além do trânsito infernal de veículos ainda puxados a cavalos, mas cada vez mais pesados e mais velozes, que atropelavam as pessoas, fruto do crescimento urbano. Uma fratura levava fatalmente à amputação do membro, coisa que até mais ou menos 1848 era feita a sangue frio, não havia anestésicos. Além do sofrimento da cirurgia, a recuperação quase sempre levava a infecções e à morte. A descoberta do clorofórmio como anestésico aliviou a dor da cirurgia, mas não trouxe melhoria na recuperação, já que as salas cirúrgicas e os hospitais eram tão imundos quanto as próprias cidades – Londres, na Inglaterra; ou Glasgow e Edimburgo, na Escócia, onde viveu Lester – eram cidades sujas, fedidas, sem nenhum saneamento, com esgoto correndo a céu aberto e lixo acumulado nas ruas. Os cirurgiões nem as mãos lavavam entre uma amputação e outra. Esse estado de coisas desesperava um jovem médico, Joseph Lester. Suas tentativas de melhorar as condições dos hospitais esbarravam na tradição (sempre foi assim), na ignorância (as doenças eram causadas por miasmas) e na estupidez (durante a guerra de secessão nos Estados Unidos – 1861-1865 – os médicos enviados para os campos de batalha chegaram usar até mesmo terra – você leu direito: terra! – para cobrir os tocos dos amputados!). Coube a um químico francês, o grande Louis Pasteur, a descoberta dos germes. Baseado nas experiências de Pasteur, Lester desenvolve a teoria da assepsia, ou seja, da desinfecção dos instrumentos cirúrgicos, do ambiente hospitalar e do próprio cirurgião, a partir de novas técnicas operatórias, que incluíam o uso do ácido carbólico, ou fenol, que era utilizado principalmente nos fétidos matadouros e beiras de rio, para diminuir a fedentina. Foi uma longa luta para convencimento de seus pares, e Joseph Lester – que morreu em 1912, já bem idoso – teve uma trajetória extraordinária, digna de figurar entre os grandes benfeitores da humanidade. Uma biografia surpreendente, detalhada, num retrato vívido de um tempo – a segunda metade do século XIX –, da situação de um país – a Inglaterra –, e de um momento do desenvolvimento da ciência médica. Sim, um livro fascinante.
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