O lugar, Annie Ernaux
Apreendi o conceito de micro-história, ao ler “O queijo e os vermes”, de Carlo Ginzburg; depois, ampliei meus conhecimentos (parcos) de História, ao ler alguma coisa sobre os historiadores e algumas obras da Escola dos Annales, principalmente a teoria da “história das mentalidades”. Hoje sei que toda biografia importa e não apenas as vidas de “autoridades” ou de “heróis”. Reflete, cada vida, um momento histórico, com suas características, sua mentalidade. E mais: eu acho, ou melhor, tenho certeza de que, por mais que nos consideremos “modernos”, nossa época ainda guarda resquícios muito fortes da Idade Média, reverberados em pequenos gestos ou expressões e até mesmo em grandes solenidades e rituais (deixo ao leitor a pulga atrás da orelha, para identifica-los: é relativamente fácil). O pequeno grande livro de Annie Ernaux nos apresenta a biografia de seu pai, um “matuto” francês da primeira metade do século XX. Ela “descobre” a personalidade paterna a partir de sua morte, ao pensar sobre como foi sua vida e nos traz um retrato pungente e magnífico desse homem obscuro e, através dele, retrata a mentalidade de uma época de grandes mudanças sociais, principalmente com a grande guerra e suas consequências, mas que, na verdade, conserva muito do pensamento, das ideias, dos gestos, das expressões e do modo de vida estratificados na mente humana através dos séculos, tudo isso ainda influenciando até mesmo seu estilo de vida de mulher moderna e independente. Como diz a canção de Belchior, na magnífica interpretação de Elis Regina” “ainda somos os mesmos, como nossos pais”... Eu escrevi que esse é um pequeno grande livro, porque é um romance curto, que se lê, como se diz, “numa sentada”, mas que nos leva a grandes reflexões.
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