A borra do café, Mario Benedetti
A Montevidéu lírica e provinciana das décadas de 30 e 40 serve de cenário para a infância e adolescência de Claudio e suas surpresas e dificuldades para crescer, amadurecer e se tornar adulto. Um tema, portanto, absolutamente comum. Talvez milhares de narrativas abordem esse processo, e muitas, realmente muitas, são lidas com o prazer de “uma história velha caiada de novo” graças à perícia do autor. Independente de juízos estéticos, eu tenho para mim que toda vida humana é única e sua trajetória merecia ser contada. Como isso é praticamente impossível, contentamo-nos com narrativas como a do escritor uruguaio, Mario Benedetti, que nos encantam e enternecem por terem a capacidade de nos levar, mais uma vez, pelos meandros da quase sempre complexa transformação da criança em adulto, em circunstâncias muitas vezes semelhantes, mas nunca exatamente iguais, porque, repito, cada vida é única, e tem matizes e detalhes que podem nos enriquecer, ao lermos sua trajetória. São pequenos acontecimentos da vida diária, o que nos fornece o autor desse semiautobiográfico romance: as brincadeiras de rua com os amigos, as constantes mudanças de bairro da família, a visão do zepelin, a morte precoce da mãe, a descoberta do amor, o primeiro beijo, a aparição consoladora de uma garota num momento de dor, cuja lembrança ele vai levar para o resto da vida, o novo emprego do pai e seu novo casamento, a relação com a divertida empregada húngara, com seu espanhol arrevesado, o primeiro emprego, a descoberta da vocação de pintor e a maturidade no sexo e no amor. Lugares comuns? Seriam, se não fosse o lirismo e a perícia do autor em nos conduzir pelas páginas de seu livro com mestria e nos fazer sonhar, sofrer e viver a vida não só do protagonista, mas de todas as demais personagens desse delicioso relato, pelas ruas e praças de Montevidéu, na década de 30 do século passado e, depois, pela trágica década de 40, um pano de fundo de grande repercussão na vida de todos nós, quando a crueldade do nazismo e, depois, o espanto, a destruição e a dor provocada pelas bombas atômicas lançadas sobre Hiroshima e Nagasaki, a inaugurar um novo período de incertezas.
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