It – A Coisa, Stephen King
Devia ter lido esse livro há muito tempo, quando sentiria a emoção de todos os arrepios e pesadelos pretendidos pelo autor. Agora, mais velho, só me restou a racionalidade e poucos arrepios. Mesmo assim, impressionaram-me a arquitetura literária e o fôlego de quem sabe contar uma história de terror, em mais de 1.100 páginas, constituindo-se num dos grandes escritores desse gênero. É quase impossível resumir em poucas linhas seu enredo, mas tentemos. Na pequena cidade de Derry (fictícia) do Maine, nos Estados Unidos, um monstro multiforme aterroriza os cidadãos, há muito tempo, em ciclos de mais ou menos 27 anos, matando e literalmente devorando partes de corpos de crianças e adolescentes. No ano de 1958, um grupo de seis meninos e uma menina, pré-adolescentes todos eles, na faixa dos 11 anos, resolvem enfrentar o monstro que matara o irmão de um deles, aquele que é uma espécie de líder do grupo. O monstro mostra-se sob diversas formas, como um pássaro gigantesco, um lobisomem etc., dependendo da imaginação de cada um, mas geralmente sob o disfarce de um palhaço, o Penniwise. Os garotos não têm como inimigo apenas esse monstro que habita os esgotos e os subterrâneos de Derry, mas também a gangue de moleques liderada por um menino cruel, que sempre os persegue, para surrá-los e tem instintos assassinos. Mergulham, no entanto, nos esgotos da cidade e nos seus subterrâneos e travam uma luta de improvável vitória contra a aranha gigantesca que é a forma mais assustadora do monstro. Pensam tê-lo derrotado. Ao saírem para a luz do sol, fazem um pacto: se o monstro voltar, eles se unirão novamente. Cada um segue sua vida, tornando-se cidadãos e cidadã razoavelmente bem-sucedidos em seus respectivos ramos de atividade, em lugares distantes e até mesmo na Inglaterra, esquecidos de tudo quanto passaram naquele inverno de 1958. Somente um deles, Mike, ficou na cidade, na função de bibliotecário. E então, 27 anos depois, o monstro ressurge e volta a atacar. Chamados de volta à cidade natal, retomam o pacto da infância e voltam a lutar, numa batalha de vida e morte, contra os mesmos terrores do passado, menos um deles, que se suicida, ao receber o chamado. Bem, fiquemos por aqui, porque o livro é longo e impressionantemente detalhista, na reconstituição dos fatos tanto do passado da cidade, quanto da vida e das dificuldades de cada um dos garotos e, depois, dos homens e da mulher em que se tornaram. Nesse relato, o autor aborda temas complexos e atuais, como violência doméstica, relações amorosas e sexuais complicadas, poluição, progresso a qualquer custo, assassinatos e indiferença e esquecimento etc. Mas, principalmente, o tema mais importante da narrativa, a noção de amizade e de compromisso entre as pessoas, os meninos de 11 anos e os adultos de 27 anos depois que, mesmo passados todos esses anos, se reúnem e se fortalecem na amizade entre eles, para derrotar uma força poderosa e destrutiva. Será a Coisa (It) que aterroriza a pequena Derry uma metáfora de todos os nossos medos? Ou a metáfora de um país que tem em seus subterrâneos, como uma força autodestrutiva, os monstros que tornam a sociedade estadunidense uma sociedade quase doentia na relação com a violência e no culto das armas? Enfim, se não tive os arroubos emotivos que teria quando mais jovem, ao ler esse clássico do terror, encontrei na longa narrativa elementos suficientes para, racionalmente, mergulhar em muitos aspectos da psique humana, dos medos humanos e de nossas relações não só uns com os outros, mas também com o mundo em que vivemos, principalmente quando acompanhei a batalha final do grupo que mergulha de novo nos subterrâneos em busca de monstros que vivem provavelmente no interior de cada um de nós, enquanto lá fora, a cidade de Derry mergulhava numa tempestade que quase a destrói completamente. Qualquer coincidência com o mundo em que vivemos hoje, creio eu, não é mera coincidência, mas fruto de nossas escolhas. A Coisa está morta? Não sabemos, ou talvez apenas nos esquecemos dela para sobreviver, como os heróis do livro também um dia se esqueceram. Valeram. Portanto, os dias e noites que gastei lendo It, A Coisa, de Stephen King.
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