terça-feira, 1 de outubro de 2024

As aventuras do bom soldado Švejk, Jaroslav Hašek

As aventuras do bom soldado Švejk, Jaroslav Hašek


O bom soldado Švejk é um ordenança. Serve a seus superiores com uma dedicação que, poderíamos dizer, canina, durante a primeira grande guerra. Ele é considerado um idiota pelo exército, ou seja, um indivíduo que não tem noção muito clara da realidade. Será mesmo Švejk um idiota ou se faz passar por idiota para sobreviver às inúmeras trapalhadas de sua confusa trajetória no exército tcheco? Não há resposta para essa pergunta. O que podemos dizer é que Švejk é uma das figuras inesquecíveis da literatura, semelhante a Sancho Pança, um anti-herói pícaro e engraçado, muito engraçado. Ingênuo, mas inteligente. Dissimulado, desastrado, ambíguo. Vive num ambiente extremamente cruel: seus superiores, oficiais do exército, são seres imbecis, brutalizados e mergulhados numa burocracia estupidificante que torna a guerra um espetáculo mais deprimente do que normalmente ela é. E aí está a genialidade do autor: através do riso, da ironia e do sarcasmo, desvenda e critica de forma acerba os horrores do conflito, sem descrever uma só batalha, apenas o ambiente e as situações absurdas em vivem seus personagens, que são inúmeros, já que o batalhão a que pertence o bom soldado Švejk desloca-se interminavelmente pelas estradas de ferro da Europa, sem chegar a lugar nenhum, sem participar diretamente de nenhuma batalha. O escárnio com que trata os militares respinga na mesma ironia com que trata as crenças religiosas, a situação política dos países envolvidos na guerra, as instituições. Através das confusões em que se mete o bom soldado Švejk, odiado pelos superiores a quem ele serve, ao mesmo tempo que sua esperteza faz com que eles não consigam se livrar dele, e ainda, através das longas histórias inventadas ou vividas pelo ordenança, histórias sempre muito engraçadas, algumas tão hilárias que nos provocam gargalhadas, desvenda-se ante nossos olhos a estupidez que leva os humanos a se militarizarem e a se lançarem numa guerra sem sentido, sem objetivo imediato, cujas consequências são apenas a desolação, a destruição de civilizações e a morte. Apesar de longo (algumas edições têm mais de 800 páginas), detalhado e inconcluso (o autor morreu antes de terminá-lo), a leitura de “As aventuras do bom soldado Švejk” é tão prazerosa quanto a leitura de Dom Quixote, tão importante quanto a leitura do conterrâneo do autor, Franz Kafka, o que o torna um dos romances mais importantes do século XX. Cumpre destacar, finalmente, que o autor, Jaroslav Hašek, “nascido em Praga, viveu pouco, de 1883 a 1923, e fez muito. Trabalhou em farmácia, banco, foi comerciante de cães, fundou um partido político — o Partido do Progresso Moderado Dentro dos Limites da Lei —, passou períodos na prisão por suas atividades anarquistas, perambulou pelo país sem um tostão no bolso, foi internado em um hospício depois de tentar o suicídio pulando no rio Moldava, participou da Primeira Guerra Mundial ao lado das forças austro-húngaras, foi preso pelos russos, aderiu aos bolcheviques, foi bígamo, atuou como ator, produziu cerca de doze mil contos, artigos e reportagens, inventou animais quando trabalhou na revista Mundo Animal e faleceu na miséria em um hospital do interior da Boêmia, de complicações cardíacas. E bebeu, bebeu, bebeu, seguindo os passos de seu pai, um mestre-escola que morreu de alcoolismo quando Hašek tinha apenas treze anos. Foi eternizado, no entanto, por este As aventuras do bom soldado Švejk, que, baseado em parte em histórias de sua própria vida, é apontado como a obra escrita em tcheco mais traduzida, para cinquenta e cinco línguas, além de ter sido transportada inúmeras vezes para o cinema e teatro, uma delas servindo de inspiração a Bertolt Brecht”, conforme nos conta seu tradutor, Luís Carlos Cabral.

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