Ainda estou aqui, Marcelo Rubens Paiva
O estilo do autor é de fácil leitura, mas esse livro não é para ser lido na velocidade do estilo do autor: é para ser devidamente assimilado, página por página, como uma bebida forte que nos queima a garganta. Porque não é apenas a saga de uma família ou a história de uma mulher extraordinária: é a história nua e crua de um momento crucial da política brasileira. O deputado federal cassado em 1964, por ser opositor do regime, o engenheiro Rubens Paiva, vive sua vida aparentemente tranquila, com a mulher, Eunice, e seus cinco filhos, num casarão localizado próximo a uma praia do Rio de Janeiro, em 1971. Mas tem ainda uma atividade clandestina: receber e encaminhar cartas de exilados a seus respectivos donos, uma pequena rede de solidariedade. Uma mulher, vinda do Chile, tem sua bagagem apreendida e, nela, encontram as cartas e um bilhete envolvendo o nome do engenheiro. É o suficiente para atiçar a sanha criminosa e vingativa das forças militares que mandam no País desde 1964. Rubens é detido, barbaramente torturado até a morte. Seu corpo nunca foi encontrado. Esse o mote para o desespero da família e da história de Eunice Paiva, a dona de casa que se transforma pouco a pouco numa guerrilheira dos direitos humanos, ao se formar advogada em São Paulo, ao recriar para si uma trajetória de luta não só pelo reconhecimento da morte de seu marido, mas também pelos direitos humanos e pelos indígenas, tornando-se símbolo de um Brasil que ainda hoje reluta em creditar à ditadura de 21 anos dos militares toda o mal que eles – os militares – fizeram à nação. A história da família dessa mulher e de seu marido está relatada pelo filho, Marcelo Rubens Paiva, com a devida dose de emoção, exasperação e admiração pela resiliência e capacidade de superação. Como disse, não é um livro para estômagos frágeis, mas sem dúvida é uma leitura obrigatória para entendermos um pouco mais a história recente do Brasil e, principalmente, para não deixarmos de dar a devida importância a qualquer tentativa de retorno dos ratos que roeram nossa democracia em 1964, perseguiram, mataram, prenderam e torturaram centenas de pessoas, simplesmente porque elas não concordavam com seus princípios torpes, de um tempo sujo, muito sujo. Não posso terminar essa resenha sem me referir ao filme de mesmo nome, de Walter Salles: o filme é ótimo, mas é apenas uma fração do livro. Não precisa ganhar o Oscar, porque já tem sido visto e admirado por milhões de brasileiros. A emoção contida da atriz Fernanda Torres é algo que não se vê sempre: uma atuação de arrepiar. Enfim, veja o filme, leia o livro: são duas obras absolutamente diferentes e nenhuma delas é melhor do que a outra. Tanto o filme quanto o livro são indispensáveis.
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