2666, Roberto Bolaño
Vou iniciar esta resenha com uma pergunta: qual a diferença entre ler um romance de quase 1.300 páginas ou ler quatro romances de 300 páginas? Quando li “Em busca do tempo perdido” que, dependendo da edição, varia entre 3.000 e 4.000 páginas, tive o mesmo prazer que tivesse lido vários livros que somassem esse mesmo número de páginas. E você, caro leitor ou leitora eventual desse blog? O que pensa? Bem, vamos ao livro de hoje, que alcança, na edição que li, 1.291 páginas (por isso a pergunta acima). É um livro único, embora composto, na verdade, de cinco partes quase independentes, diante da variedade de narrativas que usa o autor para nos contar uma história complexa, que parece se perder pelo meio do caminho, mas sempre se acha e termina fazendo todo o sentido, como uma colcha de retalhos que só revela sua beleza depois de pronta. O autor vai nos encantando, no entanto, com sua forma peculiar de nos envolver nesse enredo fabuloso, como deve ser todo grande romance. Os temas centrais da obra são a violência do ser humano e a literatura, não necessariamente a literatura como redenção, mas talvez como escape de um mundo em que a convivência pacífica, tanto em termos pessoais, quanto em relação a povos e nações, ainda é uma utopia. Podemos resumir assim as cinco partes do livro (ou os cinco romances internos da obra): 1. A parte dos críticos: quatro especialistas em literatura investigam o autor Benno von Archimboldi, sem fotos e localização conhecida. 2. A parte de Almafitiano: um professor mexicano volta a lidar com seus problemas existenciais. 3. A parte de Fate: um jornalista esportivo acaba se envolvendo com crimes contra as mulheres na cidade de Santa Teresa (uma ficcionalização da Ciudad Juárez). 4. A parte dos crimes: os crimes de Santa Teresa são narrados com uma frieza e seriedade próprios da linguagem jornalística das páginas policiais. 5. A parte de Archimboldi: o leitor se torna testemunha da vida e da trajetória do autor desconhecido, principalmente sua participação na Segunda Guerra Mundial. Que não se preocupe o leitor em buscar, durante a leitura de qualquer uma das partes, as relações ente elas: tudo só fará algum sentido (se é que a boa literatura precise fazer algum sentido) praticamente nas páginas finais do livro. E então, irá o leitor compreender que a aventura empreendida terá valido a pena. Que esse romance, com um nome cabalístico de 2666, escrito por um autor chileno (que viveu a maior parte de sua vida na Espanha) resgata a tradição dos grandes romances da América Latina, numa chave, agora, ultrarrealista, fugindo avassaladoramente da literatura fantástica que notabilizou tantos escritores de nosso continente. Portanto, meu amigo e minha amiga, eventuais leitores desse blog, se o número de páginas tiver qualquer interferência ou fizer você relutar na leitura desse grande livro, grande em todos os sentidos, pense na pergunta que lhe fiz no início desta resenha. E empreenda a viagem. Você, certamente, não se arrependerá. Lembre-se: não há tempo perdido na leitura de um grande livro, só tempo ganho.
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