Como água para chocolate, Laura Esquivel
“Sete anos de pastor Jacó servia /Labão, pai de Raquel serrana bela, /Mas não servia ao pai, servia a ela, /Que a ela só por prêmio pretendia”: os versos de Camões referem-se, claro, a um episódio bíblico. Uma história contada e recontada inúmeras vezes, por ficcionistas de todo o mundo, cada um com sua versão ou sua fantasia. Afinal, como disse Machado de Assis (e não vou mais citar ninguém): “Ao cabo, só existem ideias velhas caiadas de novo”. Quando, porém, a caiação é de boa qualidade, um clichê bíblico pode se tornar um grande romance. É o que fez Laura Esquivel, ao nos levar para o México do início do século XX, durante a revolução mexicana, lá para as bandas da fronteira com os Estados Unidos, para nos contar a história de amor de Tita e Pedro. Situemos o enredo: Tita é a filha mais nova da família e, sob o tacão tradicional e dominador de Mãe Helena, não pode se casar, porque deve cuidar da mãe até a sua morte. Pedro, seu grande amor, casa-se, então, com a irmã, para ficar próximo da amada. Esse o núcleo central da trama, que tem muitos personagens, mas principalmente é temperada com a inclusão a cada capítulo de receitas da culinária mexicana que, todos sabemos, é bastante picante. E a história só não é mais picante, porque tem a pena delicada e temperada por laivos de realismo fantástico da autora, surpreendendo-nos a cada momento não só com receitas mas também com episódios da revolução mexicana, tudo em torno de um elemento fundamental do livro: a cozinha. Um romance para se ler com a emoção – contida – mas bem fermentada de chiles, de amores quentes que se procrastinam, de frustrações e da descrição do dia a dia de uma família mexicana, com seus usos, costumes e tradições. Ah, sim: se você viu o filme de mesmo nome, de 1992, e (como eu) já não se lembra bem dele, só sabe que era bom, leia o livro: a literatura nos leva para os caminhos da imaginação que nenhum outro meio consegue.
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