A fantástica fábrica de chocolate, Roald Dahl
Qualquer semelhança com “Alice no país das maravilhas” eu não creio que seja mera coincidência. As aventuras de Alice, eu as li faz pouco tempo, já adulto, portanto. E me diverti. Já não digo o mesmo do livro desse britânico nascido em Galles, considerado um clássico da literatura infantil. O enredo gira em torno de cinco crianças, conforme nos adverte a introdução do livro: Augusto Glupe, o menino guloso; Veroca Sal, a menina mimada; Violeta Chataclete, a menina que masca chiclete o tempo todo; Miguel Tevel, o menino que só vê televisão; e Charlie Bucket, o herói. Estereotipados, todos eles. Um pouco da história: Charlie é pobre, muito pobre, paupérrimo. Vive na periferia de uma grande cidade, num barracão minúsculo com seus pais e quatro avós já passados dos 90 anos, que não saem da cama. Passam fome. Próxima ao barraco da família, existe uma misteriosa fábrica de chocolates: ninguém nunca pode entrar lá e ninguém sabe quem fabrica para o dono misterioso os mais fantásticos chocolates do mundo, porque ele vive recluso, para evitar roubos de fórmulas pelos concorrentes. Um dia, Willie Wonka, esse capitalista misterioso, lança um concurso: há cinco bilhetes dourados dentro de cinco chocolates comercializados. Os cinco garotos que os encontrarem serão convidados, juntamente com seus pais, a visitar a fábrica e ganharão caminhões de produtos para o resto de suas vidas. Uma grande jogada de marketing, já que a venda de chocolates dispara. Os cinco garotos listados acima conseguem encontrar os bilhetes, sendo o de Charlie não só o último, mas aquele que é encontrado por um golpe de muita, muita sorte, já que não teria como comprar tantos chocolates e aumentar suas chances de ganhar, como os demais. Na visita à misteriosa fábrica de chocolates, os 14 convidados (as quatro crianças e seus pais e Charlie e seu avô de 96 anos), quatro crianças são misteriosamente punidas por suas características e vão desaparecendo em seus labirintos e em seus processos complicados de fabricação de chocolate, só restando, ao final, o grande ganhador, o menino pobre e sem vícios. A notar que os empregados da fábrica são os umpa-lumpas, anões resgatados de sua terra pelo senhor Wonka e, ao que parece, trabalham diuturnamente, sem qualquer menção a salários. O capitalismo em toda sua face mais negra, sobre a qual não há qualquer palavra no livro. E também não há complacência na punição dos quatro garotos, mesmo que, ao final, eles retornem, embora modificados. Não é uma questão de discutir se o livro é ou não “politicamente correto” (o que definitivamente ele não é, mas isso é o de somenos importância), mas o que me incomodou foi o sadismo do senhor Wonka, ao punir as crianças que não se enquadram no conceito de crianças exemplares que o herói, Charlie, tem, por ser pobre e não ter tido a mínima oportunidade de desenvolver qualquer uma das más qualidades de seus ricos companheiros de aventura, ou seja, ser guloso, mimado, mascar chicletes e só ver televisão. Enfim, apesar de todas as peripécias dos visitantes dentro do mundo fantástico da fábrica, cheia de truques e de labirintos, não me diverti, como esperava, o que, repito, aconteceu quando li as aventuras da heroína de Lewis Carroll. Fico em dúvida se presentearia hoje esse livro escrito em 1964 a algum filho de meu círculo de amigos.
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