Predadores, Pepetela
De Angola nos vem esse romance incrível, que se lê quase sem piscar, num estilo que só os bons contadores de história sabem fazer, como um Jorge Amado africano. Pepetela é o pseudônimo de Carlos Maurício Pestana dos Santos. A história que ele nos conta tem o condão de nos conduzir pelos eventos recentes de Angola, desde sua independência, em 1974 até o começo do século XXI. Seu “herói” é o ambicioso Valdimiro Caposso, que tem origem humilde, filho de enfermeiro e avesso à política, nascido no interior do país. Ainda jovem, vai para Luanda e começa como ajudante de um pequeno armazém num bairro pobre da capital, mas a instabilidade política das guerras pela independência leva o dono do armazém a fugir e deixar para ele a responsabilidade pelo armazém. Aos poucos, vai ampliando seus negócios, com seu incrível tino comercial e sua ambição sem limites, envolvendo-se, quando necessário, com políticos poderosos, para ampliar pouco a pouco sua fortuna, até tornar-se um dos maiores empresários de Angola, um individuo inescrupuloso e frio, até mesmo com a família. Assistimos a todos os golpes e negociatas que ele usa para subir, colocando em sua conta um assassínio, logo no começo do romance, quando já é poderoso e coleciona várias amantes, e acompanhamos suas relações com políticos, governantes, ministros e amigos endinheirados, até o começo de sua queda, já no final da história, um final aberto, que deixa para o leitor complementar com a sua imaginação a decadência do grande empresário. Há muita história nas indicações e nas entrelinhas do romance, mas o que fica para o leitor é a capacidade humana – até demasiado humana – de se aproveitar das situações mais críticas de um povo para estabelecer esquemas de corrupção que visam a seus interesses escusos, só a seus interesses, e que se lixe a população, o que é um tema universal. A destacar, além da fluidez da narrativa, o uso de palavras típicas do português falado em Angola, o que não chega a impedir a compreensão do texto, embora um glossário ao final do livro ajude o leitor. Há muitas vezes um humor ácido, mas consistente, revestido de ironia e de necessidade de levar a história de forma a que o leitor não “passe pano”, por assim dizer, nas falcatruas de VC, como muitas vezes aparece o nome de Vladimiro Caposso, um anti-herói – corrupto, assassino, insensível, inculto – mas, em termos literários, extremamente cativante. A literatura africana ainda precisa ser mais conhecida por nós, brasileiros, porque há muitos autores que nos surpreendem, não só os de língua portuguesa. Aliás, devemos tanto à África, que ler autores desse continente é só o mínimo que podemos fazer, para amenizar a dívida que temos para com esse continente de cores, cultura e história incríveis.

Nenhum comentário:
Postar um comentário