Sob o sol de Satã, Georges Bernanos
Católico, Bernanos está vinculado a uma visão do cristianismo semelhante à de François Mauriac e Graham Greene, que é uma resposta de fé ao tema central da relação entre o ser humano e o mundo na literatura contemporânea. O romance traduz, portanto, uma visão católica. Mas, paremos por aí com esse catolicismo. Explico: “Sob o sol de Satã” conta a história de um padre de uma pequena paróquia do interior da França, o padre Bernanos, que tem uma vida de sacrifícios, de pobreza – tanto física quanto mental –, de autopunição por uma fé exacerbada, com visões de Satã e de sua influência ou tentativa de influência em sua vida eclesiástica. Há um crime, cometido por uma garota de 16 anos seduzida por um medalhão de mais de 40 anos da aldeia; há uma tentativa de ressurreição de uma criança morta por meningite e pouco mais do que isso em suas mais trezentas páginas, em termos de ação. Mas, aí está a mão do grande escritor: literatura na veia, para delícia de quem gosta de longas e complexas incursões do narrador onisciente no pensamento e nas intenções e atos das personagens. E mais: todo o catolicismo do autor pode deixar quem é católico satisfeito com as possíveis possessões demoníacas e a vida de santidade do padre e seus possíveis milagres, mas também deixa margem a quem não acredita em nada disso em imaginar soluções menos místicas para toda a história, que tem uma pegada de muito psicologismo, de muita filosofia e de uma boa pitada de suspense. Enfim, o vazio filosófico do padre Donissan enche as páginas do livro com a boa literatura francesa que estamos acostumados a encontrar nos grandes autores, tanto do século XIX, quanto do século XX, o que torna sua leitura ao mesmo tempo um desafio a cada página e um prazer a cada parágrafo.

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