Terra sonâmbula, Mia Couto
A língua portuguesa falada em Moçambique encontra em Mia Couto um dos seus expoentes máximos, nesse escritor que tem o dom de nos envolver com seu estilo delicado e poético e de nos revelar histórias tristes e complexas de um povo que só se tornou independente quatro séculos depois de domínio português, em 1975 e, dois anos depois, mergulhou numa guerra civil que durou até 1992. “A guerra é uma cobra que usa os nossos próprios dentes para nos morder”, diz o velho Tuahir para o menino Muidinga, na luta de ambos para encontrar a si mesmos e também um lugar para viver. Depois de uoma longa caminhada, estão eles acantonados num velho ônibus queimado na berma (beira) da estrada, cheio de corpos carbonizados. Entre esses corpos, está o corpo quase intacto de Kindzu e seus cadernos, os quais contêm a história de sua vida. Entre os percalços por que passam o velho e o menino, para sobreviverem, suas idas e vindas em torno do ônibus queimado e sua caminhada em busca do mar, o garoto vai lendo para o “tio” as páginas desses cadernos, em uma narrativa alternada de suas vidas e da vida de Kindzu. Os cadernos narram a busca do autor pelos guerreiros tradicionais, os naparamas, seus encontros e desencontros com um indiano, com mulheres e outros inúmeros personagens e, também, a busca de um garoto perdido, filho da mulher por quem ele se apaixona e que está vivendo num navio de mantimentos atolado numa praia, à espera de notícias do garoto. A prosa poética de Mia Couto nos leva para paisagens impensáveis e a conhecer vidas complexas desse país em formação, cujo povo anseia pela paz e busca na tradição forças para superar as lutas internas. Há diferenças lexicais bastante significativas entre o português que falamos aqui e a língua usada por Mia Couto, mas não se preocupe o leitor: há um pequeno glossário ao final do livro e, mesmo que não houvesse, o contexto nos leva a entender praticamente todos os significados das belas palavras do falar moçambicano, embalados que somos pela elegância da prosa desse grande escritor, um dos grandes mestres da língua portuguesa.

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