Uma paixão simples, Annie Ernaux
A paixão avassaladora, aquela que toma conta de todos os momentos e de todos os pensamentos de uma pessoa, não deixando espaço para mais nada, às vezes nem para viver. Foi esse sentimento, que quase todo ser humano experimenta pelo menos uma vez na vida, que tomou de assalto a vida da autora, a escritora francesa Annie Ernaux, num momento em que, divorciada e com dois filhos, parecia ter estabilizada a sua vida, em todos os sentidos. E essa paixão rendeu uma espécie de “documentário do amor extremo”, um romance que é, ao mesmo tempo, memória, ficção e reflexão sobre a paixão. O relacionamento com um “estrangeiro”, um russo, casado, nomeado apenas como A., durante alguns meses, rendeu algumas páginas (até poucas, já que o livro tem cerca de 60 páginas) de grande intensidade, mas principalmente de grande franqueza e coragem. Tudo a seu redor, cada palavra, cada gesto, cada momento de vida gira em torno desse amor tresloucado, sem espaço para outras experiências, como se o mundo houvesse parado e só existissem os amantes, como só existisse a espera de um telefonema, como só existissem os momentos que passam juntos. Quando o amante volta para sua terra, resta o vazio e o passar do tempo, algo ao mesmo tempo complexo e alucinante, que precisa ser superado, ainda que esse tempo de esquecimento seja longo e doloroso. O tom confessional do livro, sua profundidade e as reflexões da autora elevam a régua de regulação das confissões amorosas a nível de grande poder não só das palavras, mas, principalmente, pela capacidade da literatura de nos conduzir através dos sentimentos e dos pensamentos de uma mente perturbada por uma grande paixão. Um livro para ser lido com o suspense das grandes histórias que cabem em poucas páginas, pela sua densidade e grandeza estética.

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