Distância de resgate, Samanta Schweblin
O fascinante deste livro não está propriamente na sua narrativa, mas na forma como a autora, argentina, teceu o enredo. Uma arquitetura literária complexa, mas não exatamente impossível de ser desvendada pelo leitor: as várias vozes se intercalam na exposição de um problema que parece, a princípio, misterioso, e que vai nos envolvendo pouco a pouco em sua teia. A personagem principal, a mãe, aluga uma casa de veraneio no interior não nomeado, num campo onde há inúmeras plantações de soja e haras. Ali conhece a mãe do menino que fala em seu interior e a adverte dos perigos para sua filha e para ela mesma: algo que acometeu aos cavalos do pai e a si mesmo e que pode atingir sua filha, mesmo que ela tenha para a menina uma distância de resgate, isto é, mantenha uma vigilância segura de proteção à garota. As várias vozes narrativas conduzem a história para um desfecho aberto e de alerta para o que fazemos com o meio ambiente, numa espécie de voragem que vai tragando a todos para a fatalidade de algo incontrolável e pessoal, porém de alcance mais amplo. A pergunta que fica engasgada na garganta do leitor desse fio vital e afiado que prende a todos para a tragédia é até que ponto o ser humano interveio na natureza para provocar nossas doenças, para nos atormentar, sem que nada possamos fazer, diante de um inimigo invisível e talvez invencível. Sem dúvida, uma das mais instigantes e intrigantes narrativas que se pode ler, principalmente pela arquitetura literária de grande criatividade e invenção, que nos faz mergulhar sem qualquer rede de proteção e sem qualquer preconceito do jogo proposto pela autora, em pouco mais de cem páginas.