sábado, 30 de janeiro de 2021

Carmen de Georges Bizet, Susan McClary

 

Carmen de Georges Bizet, Susan McClary



Confesso que não seria este um livro de minha imediata curiosidade. Aprecio a ópera e, em especial, gosto muito da música da Carmen de Bizet. Porém, como ganhei o livro de meu amigo Wagner, resolvi ler. O primeiro capítulo é um estudo sobre a Carmem de Mérrimée, o que me levou a interromper a leitura logo no começo e ler o romance, para acompanhar melhor o texto do autor, Peter Robinson, professor de literatura francesa na University of Minnesota. Em seguida, a autora da obra passa a analisar a ópera de Bizet, em capítulos cujos títulos descrevem bem o seu conteúdo: “a origem da Carmen de Bizet”, “imagens de raça, classe e gênero na cultura francesa do século XIX’, “as linguagens musicais de Carmen”. Neste último, discute a ópera cômica, gênero a que pertence a ópera, apesar de romper certas regras; o germanismo de Bizet e sua influência ou não na composição da ópera, ressaltando a grande admiração que o compositor sentia por Wagner; o exotismo ou orientalismo das canções e a narrativa da música do século XIX. Até aí, o livro flui bem para leigos em música, como eu, e estamos na metade da leitura. No entanto, os capítulos seguintes não têm apelo para quem não seja expert em música, embora deva ser bastante interessante para esse público: a autora analisa a ópera em seus aspectos composicionais, ato por ato, detalhadamente. Nas duas partes seguintes, discute como foi a recepção do público e da crítica, quando da estreia da ópera e suas consequências futuras até a consagração. Finalmente, o último capítulo nos leva a um passeio interessante pelos filmes que se basearam na ópera, uma filmografia que começa desde os tempos do cinema mudo (e ficamos imaginando a criatividade de diretores a criarem um musical sem som) até os dias de hoje. Enfim, essa é sinopse de um livro que pode, sim, em vários aspectos, interessar a leigos que apreciem a ópera, em especial a Carmen de Bizet, mas que é voltado para um público especializado em música.


quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

Carmem, Prosper Mérrimé

 Carmem, Prosper Mérrimé



A epígrafe de Pallado, poeta grego do século V a.C não deixa dúvidas quanto ao que esperar da história de Carmem: “A mulher é igual ao fel, mas tem dois bons momentos, um no leito, outro na morte”. Pois Carmem é o fel do narrador Dom José, por levá-lo ao amor e ao crime. No entanto, ela não é apenas a mulher fatal da tradição romântica, aquela que leva o homem à perdição, desde os tempos da mítica Eva. Ela tem consciência de sua força como fêmea e a usa não apenas para o amor, mas para sobreviver num meio hostil às mulheres de sua condição, na Espanha dos anos trinta e quarenta do século XIX: bela e cigana. Conduz seu destino como uma verdadeira líder de bandidos, salteadores e contrabandistas, que não conseguem se articular sem sua inteligência, sem seus truques, sem suas informações. Assim, mesmo que saiba que seu destino poderá ser trágico, não abdica de seu poder, tornando-se uma das mais fascinantes heroínas do romantismo europeu desse século de tantas outras heroínas trágicas. Um nome que se torna símbolo da mulher fatal e ao mesmo tempo voluntariosa, não apenas nas páginas de Mérrimé, mas também na imortal ópera de Bizet, baseada na sua história. Uma novela rápida, que se lê quase sem interrupções do princípio ao fim, com o prazer das histórias românticas e picarescas da literatura francesa.


domingo, 24 de janeiro de 2021

Manon Lescaut, Abade de Prévost

 Manon Lescaut, Abade de Prévost





Manon Lescaut é descendente direta da Eva mítica da lenda criacionista. A mulher que, independente de seus “pecados” ou de sua “luxúria”, traz a perdição ao homem. Conhecemo-la apenas pela ótica de seu amante, De Grieux, que a ama desesperadamente e lhe perdoa todas as faltas, sendo, por isso, arrastado à desgraça física, financeira e moral. De 1731 até nossos dias, Manon teve sua trajetória refletida na trajetória de muitas heroínas, como Margueritte Gautier (A dama das camélias), Emma Bovary, Maria da Glória ou Lucíola, Maria Capitolina Santiago ou Capitu, Sarah Woodruff (a mulher do tenente francês) e muitas, muitas outras. Ainda e sempre, a mulher fatal, a que muitas vezes morre no final, como purgação de seus “pecados”, a mulher vista até hoje como “propriedade” e como uso exclusivo de um só “dono”, sujeita ao castigo do macho predador, que a ama e, por isso, tem sobre ela o poder de vida e morte.


quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

A filosofia na alcova, Marquês de Sade



A filosofia na alcova, ou, os preceptores imorais, Marquês de Sade



Sacanagem com filosofia ou filosofia com sacanagem? O erotismo levado ao extremo, assim como as ideias políticas e sociais do “divino” marquês são também extremadas. Só não entendo por que levar a sério sua genialidade, quando tudo quanto escreve está eivado de ironia, sarcasmo, na construção de utopias sociais e sexuais em que o lobo-homem ou o homem-lobo expõe suas entranhas. Nada é sagrado. Nenhuma instituição humana “tradicional” resiste aos preceitos do marquês. Para ler com uma faca entre os dentes e o tesão reprimido a explodir em catarses de um erotismo exacerbado e louco (louco, no sentido que lhe dá a loucura o século XVIII, conforme Foucault). Recomendo fortemente a uma certa ministra, Damares chamada (se é que ela já não o leu), para execrar em público e gozar “en privée”.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

História da loucura na idade clássica, Michel Foucault

 HISTÓRIA DA LOUCURA NA IDADE CLÁSSICA 




“A loucura extrai seu rosto da máscara da besta”. Talvez seja essa frase a que resume uma obra extensa, complexa, que expõe as vísceras da humanidade dos séculos XVII e XVIII, cujas políticas de tratamento da loucura, cujas ideias baseadas em princípios deístas e achismos às vezes preconceituosos e folclóricos, mas sempre muito severas para com os pobres, sempre opressoras, repercutem até nossos dias, como uma gosma grudenta no imaginário popular, uma gosma de barbárie e estupidez, de que a humanidade, apesar de todo o desenvolvimento científico, ainda vai demorar muito tempo para se livrar. Uma obra, no mínimo, impactante.