sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

Judas. Amós Oz

 Judas. Amós Oz



Inverno de 1959/60. Em Jerusalém, Shmuel, 26 anos, desiste da faculdade, onde desenvolvia uma tese sobre a relação entre os judeus e Jesus, porque seu pai faliu; sua namorada se casa com outro e ele aceita um emprego de cuidador de um idoso semiparalítico, através do qual tem casa e tempo disponível para continuar sua tese. Tudo é muito misterioso nessa casa, onde mora também a bela e sensual Atalia, 45 anos, viúva do filho do velho, morto na guerra de libertação de Israel, em 1948. Shmuel apaixona-se por ela, mas é um amor sem futuro, pois ela guarda, assim como o sogro, marcas profundas de desilusão e de um passado complexo, quando o pai foi acusado de traição, por defender a convivência pacífica entre árabes e judeus. Enquanto isso, Shmuel Asch vai aos poucos descobrindo a figura de Judas Iscariotes, que muitos consideram não um traidor, mas o mais fiel discípulo de Jesus, aquele que acreditava piamente que o profeta desceria da cruz e realizaria o maior milagre de todos os tempos. Através desse livro denso e profundo, o autor questiona a própria existência de Eretz Israel na Palestina e interroga a si mesmo e a seus conterrâneos se não seria possível um caminho diferente daquele até agora trilhado pela política belicista dos governantes israelitas. Um livro que não tem fim, já que ele continua reverberando em nossa memória, pela perícia de sua construção e por todas as questões que levanta. Imperdível.


terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

De repente, nas profundezas do bosque, Amós Oz

 De repente, nas profundezas do bosque, Amós Oz



Numa pacata aldeia onde não existe bicho algum, seja ele quadrúpede, peixe, réptil, pássaro ou inseto, as crianças são proibidas de entrar no bosque vizinho, onde, segundo os adultos, reina Nehi, o demônio das montanhas. Quem se embrenhou por lá não voltou, ou então voltou avariado. Na escola, a solitária professora Emanuela desenha e descreve os animais que chegou a conhecer em sua infância, mas os alunos riem dela, pois seus pais lhes asseguram que tais seres não passam de lendas malucas e perigosas. Dois dos alunos, porém, não se satisfazem com as explicações dos adultos e resolvem se aventurar pelo bosque para ver com os próprios olhos o que existe lá. Uma fábula sobre a relação do ser humano com a natureza, sobre a aceitação das diferenças... Para ler, reler, pensar.


sábado, 20 de fevereiro de 2021

O século das luzes, Alejo Carpentier

 O século das luzes, Alejo Carpentier




Final do século XVIII, o século das luzes. A revolução francesa estende seus tentáculos pelo Caribe, com suas conquistas e suas mazelas, através de um grupo de jovens, Carlos, Estéban e Sofia, aos quais se junta Victor Hugues, um francês, filho de padeiro, que vai mudar o destino desses jovens cubanos e da própria região, ao tornar-se governante de Caiena e outras possessões francesas. Leva para lá a doutrina da revolução, mas também a guilhotina. A revolução, desde o início, autofágica, transforma-se pouco a pouco e seus princípios libertadores são enterrados, até o golpe de Napoleão. Victor, antes ferrenho libertário, assimila a derrocada da revolução e aplica à sua administração até mesmo a volta da escravidão negra. Sofia, a jovenzinha imatura abandonada um dia em Paris, volta a Cuba, casa-se, torna-se viúva e vai atrás de seu amor, Victor, mas decepciona-se terrivelmente com os rumos de sua política e de sua administração. É ela, a mulher frágil e liberta, a própria metáfora do século das luzes. Mas, isso é apenas um arremedo de tentativa de falar de um dos mais poderosos romances da América Latina, com sua trama complexa, seu barroquismo e a beleza de sua concepção literária. Puro prazer, sem dúvida alguma.


quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

O bosque das ilusões perdidas, Alain-Fournier

 O bosque das ilusões perdidas, Alain-Fournier


O título original – LE GRAND MEAULNES – refere-se ao jovem Meaulnes que, no final do século XIX, no interior da França, ao perder-se pelos caminhos de sua província, acabou chegando a uma espécie de grande propriedade, onde participou de um estranha festa de casamento que acabou não se realizando, porque a noiva não quis se casar, e encontrou uma bela jovem por quem se apaixonou. Ao voltar para sua vila, não se lembra dos caminhos que o levaram àquela propriedade e, junto com o amigo François, o narrador do livro, passa a vida a buscar a amada distante. Um dos mais belos romances sobre a passagem da adolescência para a idade adulta, sobre a amizade e a fidelidade às promessas, num relato comovente e sensível. E não se pode falar desse livro, sem se referir ao autor: foi o único romance que ele escreveu, pois em 1914, aos 27 anos, desapareceu durante uma das primeiras refregas da Primeira Guerra Mundial e seu corpo só foi encontrado, numa vala comum, e identificado, em 1991. Fournier foi enterrado, então, no cemitério militar de Saint-Rémy-la Calonne e seu nome inscrito no panteão dos escritores mortos durante a guerra.


domingo, 14 de fevereiro de 2021

Baú de ossos, Pedro Nava

 Baú de ossos, Pedro Nava




Imagine uma árvore genealógica ligando Nordeste (Pernambuco, Ceará)-Juiz de Fora-Rio de Janeiro, uma árvore de raízes seculares, tronco resistente (resiliente?) e uma galharia sem fim, com nomes e sobrenomes às vezes ilustres, outras vezes, desconhecidos ou quase, enredados todos num processo de construção da burguesia brasileira, burguesia aqui no sentido mais histórico que político, e você terá uma saga impressionante de nossas origens como povo. Impossível não se impactar com as lembranças, com os casos, com os bastidores de políticos, médicos, gente como a gente, nas suas idiossincrasias, nas suas vitórias e derrotas, a presença constante da morte, uma parceira inseparável do próprio ofício do autor, médico que somente depois dos sessenta anos resolve deixar para a literatura brasileira um monumento de memorialística que se deixa comparar com a inevitável referência de Proust.


quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021

Pastoral Americana, Philip Roth

 

Pastoral Americana, Philip Roth



Seymour Levov, o Sueco, judeu, industrial filho de industrial, o homem mais cobiçado de sua cidade, por sua beleza, por sua capacidade esportiva, casa-se com Dawn, a miss estadual, de família católica. Nasce a menina Merry, xodó do casal. Tem uma infância de sonhos, mas é acometida por uma gagueira quase incurável. Torna-se militante contra a guerra do Vietnã e, por essa causa, comete um atentado que mata um médico, na pacata cidadezinha onde vivem. Torna-se fugitiva e caçada pelo FBI. A vida de Seymour desmorona a partir daí. Seu mundo burguês destroça-se. E então vemos uma jornada ao inferno, onde todos os valores políticos, morais e éticos vêm à tona, num relato de profunda compreensão de que o paraíso não existe e de que o homem, sim, é seu próprio destruidor, quando seus preconceitos e preceitos são confrontados com a dura realidade. Apenas mais uma obra prima de Roth.


segunda-feira, 8 de fevereiro de 2021

Idade Média, Umberto Eco (org.)

 

Idade Média, Umberto Eco (org.)




Se a Idade Média não foi de trevas, como se apregoa, também não foi um tempo de paz. A partir do momento em que o império romano se divide e Constantino, como imperador do que resta, torna-se cristão, o cristianismo estende suas garras sobre toda a Europa, impondo a todos os povos, bárbaros e não bárbaros, a sua própria barbárie. Com Carlos, o Magno, ou se converte ou morre. Só escapa o oriente islamizado a partir do século VII. E a igreja católica da alta idade média cristaliza seus ritos, suas doutrinas, seu poder, cujas consequências sentimos até hoje. A complexidade desse processo é analisado em dezenas de textos de vários especialistas, sob a coordenação de Umberto Eco, para desvelar e fazer-nos entender a cultura, as guerras, as invasões, a filosofia de vida, os cultos, as artes do sacro império romano.


sexta-feira, 5 de fevereiro de 2021

Vigiar e Punir, Michel Foucault

 Vigiar e Punir, Michel Foucault


A história do corpo mutilado, decapitado, execrado e, depois, aprisionado em panópticas construções que reúnem multidões de homens, mulheres e crianças, sob a disciplina rígida, vigiada sempre, com o objetivo de levar esse corpo a se arrepender de seus crimes, mas que, ao contrário, faz com que esse mesmo corpo, agora confrontado pela sociedade que o pune, se organize dentro das prisões e se torne não apenas o criminoso punido por uma transgressão, mas o delinquente que irá se organizar para continuar a delinquir, porque a sociedade que o condenou não lhe oferece outra opção. Difícil, muito difícil resumir uma obra complexa, profunda, que historia as relações entre o punir e o vigiar nos séculos XVII, XVIII e XIX, e o impacto disso nas diversas organizações humanas, como oficinas, fábricas, indústrias e escolas. Para ler, reler e pensar profundamente que tipo de sociedade queremos.


quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

Os 120 dias de Sodoma, ou a escola da libertinagem, Marquês de Sade



Os 120 dias de Sodoma, ou a escola da libertinagem, Marquês de Sade



Numa espécie de reality show, quatro amigos tarados reúnem num castelo isolado um grupo de meninas e meninos sequestrados, mais um grupo de outros indivíduos auxiliares nas putarias que vão praticar, durante os dias de reclusão, alternando suas extravagâncias sexuais a contos narrados especialmente por prostitutas contratadas para exporem suas mais torpes experiências. Não há refresco para a libido: quase todas as parafilias são praticadas, com ênfase na coprofagia. Um profundo mergulho na capacidade humana de exercer a crueldade como forma de obter o prazer a qualquer custo, principalmente quando esse custo é o sofrimento alheio, através de humilhações, tortura, assassinatos.