terça-feira, 16 de março de 2021

O homem que amava os cachorros, Leonardo Padura



O homem que amava os cachorros, Leonardo Padura




Um profundo mergulho na mente de um criminoso. Talvez seja essa uma das frases possíveis para definir esse livro longo, belo, complexo. O criminoso é Ramón Mercader, um espanhol que se passa por belga, treinado nos campos de fazer assassinos de Stalin. A vítima, Leon Trotski, o mais prolífico pensador marxista da Revolução Russa, o renegado a quem o stalinismo persegue como a um cão sarnento, através do mundo, assassinando cruelmente todos os seus principais seguidores, todos os membros de sua família, até chegar ao próprio Trotski, exilado no México, em 1940. Ao entrar na mente do assassino e buscar suas motivações, suas incertezas e sua formação no ódio, o autor coloca o dedo numa das chagas mais purulentas do século XX, o totalitarismo stalinista imposto à Rússia, depois da morte de Lenin, em 1924, um dos regimes mais cruéis que a humanidade já teve, por muitas décadas devidamente escondido atrás da cortina de ferro, escamoteado pelo silêncio de suas vítimas e da nossa incapacidade de conviver civilizadamente com a mais bela utopia criada pelo homem, para tirá-lo da barbárie da brutal diferença de classes: o socialismo. Que não está em xeque, na narrativa, mas sim o regime que se apossou de uma ideia para se impor totalitariamente, deixando o amargo gosto de um sonho que, graças a esse terrível desvio histórico, adiou talvez para sempre a esperança de dias melhores para a humanidade. Sem dúvida, continuamos a vislumbrar nossas utopias igualitárias, agora com o travo e a certeza de que, se os sonhos são sonhos, muitos homens que tentam realizá-los transformam-nos facilmente em pesadelos. Temos que enfrentar os monstros, para que a utopia não morra definitivamente, é o que parece me dizer esse extenso lamento de um fato histórico aqui romanceado de forma ao mesmo tempo com perícia e com brutalidade por esse autor cubano. Uma obra prima, com absoluta certeza.


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