quinta-feira, 22 de abril de 2021

A revolta de Atlas, Ayn Rand

 

A revolta de Atlas, Ayn Rand



“Quem é John Galt?” – como um estribilho, esta pergunta, que indica mais um desalento, um desabafo diante de uma situação que se agrava e se deteriora, e para a qual não há solução, repete-se dezenas de vezes ao longo do livro. A resposta só virá muitas e muitas páginas depois, quando, enfim, a personagem John Galt toma o protagonismo da história. Mas, vamos começar pelo princípio. O que é o romance “A revolta de Atlas”? A longuíssima narrativa – dividida em três volumes, perfazendo mais de 1.200 páginas (haja fôlego!) é um romance de tese. Através dele, a autora, Ayn Rand, expõe suas teses filosóficas e políticas. Trata-se de teses que influenciaram e ainda influenciam muitos pensadores e políticos pelo mundo afora. Seu “objetivismo” – segundo o qual o mundo é o que é, sem nenhum misticismo ou romantismo – leva a uma posição política próxima do que hoje denominamos “liberalismo”: defesa absoluta da livre inciativa, estado mínimo (ou defesa da não interferência do estado na inciativa privada), meritocracia (a cada um segundo o seu mérito, o seu valor), todo o poder aos empresários (e vamos desenvolver melhor esse tema mais adiante) e, por isso, a questão dos impostos torna-se crucial (o imposto não pago ao estado pelos empresários reverte-se em crescimento econômico, em empregos etc.), individualismo ou egoísmo ético (segundo o qual os seres humanos podem e devem existir como iguais e independentes, sem sacrificar os outros para si), o “princípio do negociante” (liberdade para os seres humanos estabelecerem os valores que sustentam suas vidas) etc. E todas essas teses – e seus detalhes – estão lá, na história quase distópica que ela constrói através de seus personagens centrais: Dagny Taggart, vice-presidente da empresa ferroviária Taggart Transcontinental; Hank Rearden, líder da empresa siderúrgica Rearden Metal; Francisco d’Anconia, milionário argentino com minas de cobre espalhadas pelo mundo; e, claro, o misterioso John Galt. O cenário: os Estados Unidos num tempo indefinido, em que predominam as grandes empresas voltadas à siderurgia e ao transporte ferroviário; um país, no entanto, dominado por um governo populista, incompetente e corrupto. Populista no sentido de que prega um tipo de “socialismo”, de proteção do povo diante da ganância empresarial, enquanto, por incompetência, não consegue resolver a questão das desigualdades sociais, porque, no fundo, legisla e governa conforme seus próprios interesses. Os empresários, nesse mundo em decadência, são, então, apresentados como verdadeiros heróis, indivíduos que, embora sejam egoístas e trabalhem em prol do aumento de sua riqueza, são extremamente justos e buscam, através de suas empresas e de suas ações, a grandeza da pátria, sendo, portanto, merecedores do poder, que a eles deve ser dado, para resolverem com o seu liberalismo (talvez mais utópico do que o próprio socialismo) todas as misérias sociais e econômicas. Nesse sentido, pode-se dizer que “A revolta de Atlas” é o oposto de todas as teorias e filosofias socialistas e marxistas do século XIX, contrapondo-se, em termos literários, aos grandes autores dessa época, sejam os românticos como Victor Hugo, ou os realistas como Balzac, Zola, Dostoievski e tantos outros. Ousaria mesmo dizer que ele é um anti “Germinal” (e se você leu esse grande romance de Zola, talvez me dê razão). As teses de Rand, como já disse, estão todas na longa trajetória de seus personagens e também em longas digressões que ela coloca no discurso que eles proferem em defesa de suas ideias e ideais. Como literatura, apesar de alguns pecadilhos, prende nossa atenção do princípio ao fim, o que não é pouco pela extensão da obra. Como conhecimento do pensamento liberal dos nossos tempos, sem dúvida permite que compreendamos a repercussão que esse pensamento tem tido em nossa vida, e o que ele pode ainda representar, quando defendido por políticos e pelos poderosos que nos governam. E não sei, realmente, se vamos querer saber “quem é John Galt”.


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