quarta-feira, 25 de agosto de 2021

Clara dos Anjos, Lima Barreto

 Clara dos Anjos, Lima Barreto



Se o genial Machado de Assis mergulhou na burguesia carioca, para traçar o seu retrato e construir uma obra magnífica de percepção humana, Lima Barreto “suja” as mãos na lama e na pobreza dos subúrbios cariocas. E constatamos que, 100 anos passados, temos um subúrbio “moderno” com quase os mesmos problemas: falta de saneamento e de infraestrutura, violência e pobreza, muita pobreza. O subúrbio de Clara dos Anjos, a menina negra e pobre personagem do romance, vive num bairro distante, pouco povoado ainda, mas já trazendo as marcas da violência, do abandono do poder público e da falta de oportunidades de vida. Seu destino, agora que completou a maioridade, é casar-se, conforme o destino de todas as outras moçoilas de sua classe social e conforme a vontade dos pais. Seu pai é um carteiro que gosta de música, gosto que se transfere para a filha que, não podendo ter em casa um piano, só pode mesmo apaixonar-se pelas modinhas cantadas em rodas domingueiras promovidas pelo pai. Já a mãe é de uma absoluta subserviência ao marido, sem vontade para nada, nem mesmo capaz de orientar a filha para as coisas mais comezinhas da vida. Numa comemoração de aniversário, Clara se apaixona pelo “modinheiro” Cassi Jones, filho de família de posses, mas um indivíduo desqualificado, tido e havido como conquistador e violador de virgens e desencaminhador de mulheres casadas, uma espécie de dom Juan do subúrbio. Mesmo trancada em casa por seus pais, com poucas oportunidades para sair, Clara acaba caindo na lábia do conquistador. Seve-se o autor desse enredo simples e aparentemente sem atrativos, para nos apresentar uma galeria de personagens e tipos característicos do subúrbio e das condições de vida dessa gente abandonada por tudo e por todos, lutando cada dia para ganhar a sobrevivência do dia seguinte. Sem dúvida, um painel de tintas carregadas, mas esteticamente inserido no realismo-naturalismo que predominava na literatura brasileira da época. Não é Clara dos Anjos, com certeza, a grande personagem da literatura de Lima Barreto (não nos esqueçamos de Isaias Caminha e Policarpo Quaresma!), mas é o seu grito de horror pela condição das mulheres negras e sem perspectiva de vida do começo do século XX, além do retrato ácido das condições de vida do subúrbio carioca e, por extensão, das grandes cidades brasileiras, condições essas que, a despeito de todas as melhorias trazidas pela modernidade, ainda estão longe, muito longe de serem as ideais.


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