O jardim secreto, Frances Hodgson Burnett
Ao estudar literatura, aprendi que a ficção cria uma espécie de mundo paralelo, com leis próprias e coerência interna que, refletindo o mundo real, leva-nos, através da imaginação e da reflexão, a compreender melhor o ser humano e o próprio mundo em que vivemos. Por isso, o seu poder. Por isso, ao mergulhar nesse mundo “inventado”, aceitamos que as pessoas viagem no tempo, penetrem por espelhos mágicos, voem pelo espaço sideral. Aceitamos suas regras e nossa imaginação preenche os chamados “vácuos sintagmáticos” que, mesmos nos filmes ou histórias desenhadas, tudo ou quase tudo nos revelam, também contêm. Se, na vida real, ao sair de casa para ir até a padaria da esquina, precisamos que nossos pés pisem a calçada, um passo após o outro, num filme, por exemplo, vemos a personagem em casa e, num corte abrupto, essa mesma personagem em outro lugar. Esse “vácuo” é preenchido pela nossa imaginação: ela pode ter ido a pé ou num possante carro movido a energia atômica ou voando. Enfim, tudo isso para dizer que mergulhei, depois de muitos anos lendo apenas a chamada literatura “adulta”, num romance voltado para jovens. E que delícia perceber que minha sensibilidade estava intacta para acompanhar a aventura de três crianças, em sua trajetória de busca, de crescimento, de conhecimento. A primeira, uma garota de 10 anos, nascida e criada na Índia, sob extremos cuidados que a levam a ser egoísta, arrogante e tirana, mas, ao perder os pais, é levada para a Inglaterra, sob a tutoria de um estranho tio que vive numa imensa casa perdida no meio de bosques, jardins e de um pântano, um tio totalmente ausente, que tem um filho, e essa é a segunda personagem, de 10 anos, cuja mãe morreu ao nascer e é criado afastado do mundo, isolado de tudo, como destinado a morrer cedo, por condições físicas cridas e aceitas como inevitáveis, também ele uma criança irascível, arrogante e egoísta. A terceira criança é um pré-adolescente de 13 anos, criado livre pelos bosques e pelo pântano, totalmente integrado ao ambiente, a ponto de conversar com os bichos e saber tudo de árvores e plantas, oriundo de uma família de 12 irmãos. São esses três amigos improváveis que nos vão levar para um jardim secreto que mudará suas vidas para sempre. E mudará também nossa percepção de mundo, para a crença em valores que, num livro escrito em 1909, surpreendem, como o respeito pela natureza. Sem dúvida, uma leitura que se recomenda que todos os pais e professores sugiram aos jovens, pois, através da ficção, desse mundo paralelo que nos leva a refletir sobre nós mesmos, eles farão, como eu, adulto e já corrompido por tantas vicissitudes, a deliciosa viagem de descobertas e de prazer na leitura de um bom livro, de um ótimo livro, o melhor parceiro para as horas, tão necessárias, quando estamos a sós com nós mesmos.
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