quarta-feira, 27 de outubro de 2021

Boca do inferno, Ana Miranda

Boca do inferno, Ana Miranda



Se você estudou um pouco de Literatura, vai-se lembrar do “Boca do Inferno”, o poeta Gregório de Matos Guerra. Pois é dele mesmo que trata o livro. Sua vida, seus perrengues e sua tumultuosa trajetória na segunda metade do século XVII na cidade da Baía. Sim, cidade da Baía, como foi batizada a capital baiana e como até hoje seus habitantes a chamam. Mas não é só de Gregório de Matos que trata o livro de Ana Miranda: entrecruzam-se inúmeros personagens, como Padre Vieira e sua família de perseguidos pelo governo de Antônio de Souza Menezes, o corrupto e vingativo governador e capitão-general do Brasil, nomeado pelo rei de Portugal; Bernardo Ravasco, o chefe do clã e irmão de Antônio Vieira, inimigos todos do governador; o judeu Samuel da Fonseca; o vereador Luiz Bonicho, que teve sua mão amputada e fugiu para Lisboa e depois para a Índia; Anica de Melo, prostituta e amante do poeta; Maria Berço, criada de uma das filhas dos Ravasco, presa, seviciada, torturada, mas depois de liberta herdeira da fortuna escondida de seu marido cego e sovina, o amor não realizado carnalmente do poeta, mulherengo de muitas amantes, negras, pardas ou brancas; e muitos, muitos outros personagens históricos, recriados pela imaginação da autora. A história gira em torno do assassinato brutal e da decepação da mão do alcaide-mor Francisco de Teles de Menezes por filhos e capangas ligados ao clã dos Velasco. A partir daí, uma perseguição sem trégua a todos que fossem ligados direta ou indiretamente aos Velasco, inclusive Gregório de Matos e o padre Antônio Vieira. Sobressaem os atos de corrupção do governador, dos juízes e demais componentes das cortes que comandavam a cidade da Baía, os costumes bárbaros e toda a sorte de vícios de cidadãos comuns e governantes, tão bem cantados e denunciados nos versos que corriam de mão em mão pela cidade, escritos pelo Boca do Inferno, assim denominado por sua verve que a ninguém poupava. Mas, o que fica claro é que a “boca do inferno” era a própria cidade da Baía, naqueles anos seiscentos, já uma metrópole de importância para o comércio, o contrabando e o tráfico de escravos. Um cadinho efervescente de homens e mulheres de todas as etnias e origens a buscar uma oportunidade de enriquecer, por meios lícitos ou, mais normalmente, ilícitos. Uma narrativa impressionante, neste belo romance histórico.


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