sábado, 11 de dezembro de 2021

A balada de Adam Henry, Ian McEwan

 A balada de Adam Henry, Ian McEwan



Fiona Maye, 60 anos, é juíza do Tribunal Superior de Londres, onde julga processos relacionadas à família (no Brasil, a vara da família). Além do amor ao que é certo e justo, condicionado por sua profissão, tem uma paixão: a música. Pianista amadora, mas muito competente, apresenta-se em concertos para a comunidade jurídica e para os amigos. Casada há muitos anos, vê seu casamento entrar em crise, quando o marido a acusa de insensibilidade, de haver desgastado a união e se afastado dele; por isso, diz que deseja ter um caso com outra mulher, com o seu consentimento, voltar a sentir os ardores sexuais da juventude, algo perdido entre eles, antes do ocaso. Claro que tal proposta é rechaçada e ele vai embora. Tentando superar a ausência do companheiro, lança-se ao trabalho. Tem um caso espinhoso: um garoto de 17 anos está internado em situação crítica de vida e necessita com urgência de uma transfusão de sangue, mas sua religião não permite, o que leva o hospital a entrar com uma ação na justiça para realizar o tratamento. Na audiência, depois de ouvidas as partes, a juíza resolve ouvir o próprio garoto, no hospital. Encontra um rapaz extremamente inteligente, mas aferrado às crenças dos pais e, por isso, resistente a que entre em seu corpo sangue alheio. Conversam por um longo tempo e Fiona descobre que o garoto está aprendendo a tocar violino. Mostra-lhe o instrumento e diz-lhe que já aprendeu uma canção, uma canção de Mahler, que a juíza conhece e sabe cantá-la. Fazem um dueto. O que a deixa bastante sensibilizada. Voltando à corte, sua sentença é favorável ao hospital, porque as leis britânicas colocam a condição de felicidade e proteção do menor acima de quaisquer outros princípios. Será esse garoto, salvo por ela, o motivo de suas preocupações futuras, quando eles se reencontram numa de suas viagens de julgamentos itinerantes e ele quer morar com ela, porque já não se sente bem em sua comunidade e em viver com seus pais. Algo se quebrara dentro dele. O fato de os pais, depois de serem tão fortemente contrários à transfusão do sangue, terem comemorado sua salvação fez com que ele perdesse sua única âncora no mundo, a fé. E não havia encontrado nada para colocar no lugar, a não ser poesia. Como seu pedido para morar com a juíza foi negado, apesar de ela ter-lhe dado um beijo de despedida, enviou-lhe um poema não terminado, falando de suas dúvidas. O desfecho é trágico. Não há julgamentos sobre o que fez a juíza, se foi certo ou errado. Deixa-se por conta do leitor. Não sabemos, inclusive, nem suas crenças religiosas, se ela é ou não religiosa. O romance é curto, lê-se – com prazer, diga-se – em pouco tempo. Mas ficam reflexões profundas sobre o ser humano, sobre as crenças e a fé, sobre até onde vão nossas convicções, se se pode ou não romper certos limites éticos ou comportamentais. Um grande pequeno livro de Ian McEwan, um dos principais nomes da literatura britânica contemporânea.

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