Reprodução, Bernardo Carvalho
Uma situação por que todos já passaram: alguém falando ao telefone a seu lado. Ouve-se apenas o monólogo, as perguntas e as respostas de quem está do lado de cá. Mais ou menos assim está estruturado o romance REPRODUÇÃO. Um jovem é preso no aeroporto com uma passagem para a China, ao tentar abordar sua professora de chinês que também tentava embarcar acompanhada de uma menina. Seu depoimento ao delegado é um longo capítulo em que só ele fala. Seu discurso é um emaranhado de conceitos e preconceitos mal alinhavados, como tirados da internet, um conhecimento vazio e pouco aprofundado de todos os assuntos. No segundo capítulo, também longo, o estudante, agora sozinho na sala de divisórias finas, ouve a conversa entre o delegado e uma mulher, talvez também delegada, mas só consegue ouvir as palavras da mulher, cujo discurso parece totalmente desconexo, mas que vai aos poucos revelando a trama por trás da abordagem da professora de chinês e seu sumiço, cuja fuga do aeroporto teve a participação de outro policial. No terceiro capítulo, volta a fala do estudante, agora confrontando o delegado, a partir do que ouvira. E quando toda a história mais ou menos absurda parece fazer sentido, um epílogo mais ou menos curto lança mais dúvidas do que certezas sobre todo aquele imbróglio. Daí concluímos que a realidade é que é absurda ou até mais absurda do que a ficção. E mais: que o excesso de informação mal digerida com que somos todos bombardeados a todo momento, a falta de crítica em relação a esse oceano de dados e notícias e opiniões, a falta de comprovação de tudo o que lemos e absorvemos superficialmente formam indivíduos que se dizem – como o estudante de chinês – bem informados, mas que na verdade provocam nesses indivíduos os mais variados preconceitos raciais, homofobia e intolerância de todos os tipos. O livro, de 2013, é um retrato do que vivemos hoje: há falas que vemos reproduzidas diariamente nas redes sociais e nos demais meios de comunicação. O que prova que pouco evoluímos, ou talvez até mesmo tenhamos regredido para uma sociedade cada vez mais desinformada e mais preconceituosa. Concluo afirmando que não é um livro fácil de ler, mas, depois do estranhamento inicial, conseguimos nos acostumar com as frases curtas e aparentemente desconexas das personagens que vão formando em nossa mente uma espécie de teia racional que deliciosamente se dissolve no final, para que possamos construir ou reconstruir o enredo que quisermos, dentro desse labirinto de informações – do livro e do mundo em que vivemos.
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