Um conto de duas cidades, Charles Dickens
O livro foi escrito quase 60 anos após a Revolução Francesa (1789-1799). Charles Dickens usou como fonte histórica para criar sua ficção em torno dos fatos que antecederam e se sucederam à Revolução o livro de Thomas Carlyle, “História da Revolução Francesa”. Também alimentou sua prosa um profundo conhecimento das ruas de Paris de seu tempo, embora já bastante alteradas em relação ao final do século XVIII, e seu interesse por presídios, que visitou não só na cidade das luzes (a cidade de seu tempo), mas também na Inglaterra e nos Estados Unidos. O assunto de “Um conto de duas cidades” é, portanto, a época de agitação política, social e econômica da França. Esqueça, porém, a história oficial: ele não diz nada a respeito das personagens políticas da época. Seu foco é o povo, o “povão” miserável, semi-escravizado por uma nobreza insensível e arrogante, por um rei – Luís XVI – incompetente, por uma total falta de perspectiva de vida, formando um cadinho de revoltas e desejo de vingança. A história gira em torno de um nobre francês que, alguns anos antes da revolução, emigra para Londres, renegando sua família, seu título de nobreza e todos os valores que isso representava, passando a viver de seu trabalho. Por isso, o título do livro, as duas cidades em oposição não apenas geográfica, mas também em relação às atribulações de uma em plena regurgitação popular e a segurança da outra, para os que conseguiam fugir das perseguições a qualquer pessoa que tivesse relação com o antigo regime, durante o período de terror, quando a guilhotina – a senhora Guillotine – cortava diariamente mais de sessenta cabeças, para gáudio de uma multidão sedenta de sangue. A história – ficcional, é sempre importante lembrar – é complexa, cheia de reviravoltas e surpresas, mas o contexto social e político é real e nos lança no meio de acontecimentos que só a pena de um grande escritor consegue colorir com as tintas vermelhas do sangue de centenas de condenados, nessa época terrível. E toda a trama nos leva a pensar profundamente no sentido e nas causas de uma revolta tão intensa, no ódio e no desejo de vingança de todo um povo cansado de ser espezinhado e humilhado. Com toda a sua violência, a sanguinolenta revolução ganha, com a ficção histórica, um quadro mais vivo em nossa mente, levando-nos a considerações mais profundas sobre o evento que mudou, apesar de tudo, a história do mundo, e colocou o povo, pela primeira vez nos tempos modernos, como protagonista de sua própria história e de seu destino, a despeito de tudo o que veio depois. Sem dúvida, um livro para se ler com o prazer de uma prosa bem elaborada, com a emoção à flor da pele com as reviravoltas da trama, mas também com os sentidos abertos para a compreensão do ser humano, seu destino e sua pretensa evolução em tantos aspectos históricos que, embora estejamos hoje num nível tecnológico avançado, nos alertam que, em termos estritamente humanos e sociais, ainda guardamos e conservamos muito do pensamento e dos costumes do século XVIII, uma época fundamental na história da humanidade. A boa ficção histórica sempre complementa o conhecimento estritamente erudito da pesquisa histórica, e nos ajuda a compreender melhor as motivações do ser humano através dos tempos.
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