Romance d'A Pedra do Reino e o príncipe do sangue do vai-e-volta,
Ariano Suassuna
A palavra cria a verdade e a verdade é a palavra transformada em sonho e delírio de um decifrador de enigmas e bibliotecário do sertão paraibano que se diz descendente de uma linhagem de reis tão tresloucados quanto ele, num sebastianismo que se materializa num “encoberto” que, assassinado, ressuscita e volta montado num cavalo branco, para restabelecer a monarquia e fazer do sertão o paraíso de seu desesperado e angustiado povo, liberto, enfim, da espoliação de seus coronéis que, por desdita, são exatamente os reis que os salvarão da miséria em que se encontram. E o sonhador-mor de toda essa esperança sebastianista é Dom Pedro Dinis Quaderna, o tal decifrador e visionário envolvido num processo judicial em que é acusado da morte de seu padrinho, um dos reis, degolado num quarto fechado no alto de uma torre que lembra as pedras gêmeas que Quaderna vê como as torres de seu castelo, de onde, por três anos, há exato um século, foi coroado imperador o primeiro rei do sertão. Por causa desse processo, faz um longo depoimento a um juiz, em que relata suas aventuras e desventuras, as batalhas sangrentas envolvendo a volta do tal “encoberto”, o jovem do cavalo branco, seu primo; expõe sua filosofia e a de seus amigos Clemente e Samuel, dois filósofos que, com ele fundam uma academia de literatura e história; conta toda a história de sua linhagem familiar de reis e príncipes; fala de seu desejo de ser coroado rei, mas principalmente, de se tornar “o gênio da raça”, como poeta, e escrever um longo poema ou uma longa epopeia narrando todos os seus delírios e a história dos reinados de sua família. E todo esse romance de reis e reinados sertanejos se transforma na palavra fluente e poética da longa, longuíssima narrativa do visionário Quaderna que, ao final, já como rei do Sertão, é coroado pelos mais insignes nomes da nossa cultura como o “gênio da raça”, conquistando, enfim, seu sonho mais acalentado, ainda que o sol sertanejo que ele contempla seja visto por trás de barras de ferro. “A Pedra do Reino” cumpre, assim, o que promete: uma das mais belas narrativas de nossa literatura. Muitos críticos já o compararam a inúmeras outras epopeias ou romances, desde “Don Quijote” até “Grande Sertão: Veredas”. Esqueça todas essas comparações. São inúteis, mas não são inúteis nosso deleite e nosso enriquecimento como brasileiros que as visagens de Dom Pedro Dinis Quaderna nos proporcionam ao longo de cada uma das páginas desse livro memorável. E viva Dom Sebastião!
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